Entrevista: Investimentos no exterior e critérios ASG ganham força na gestão de recursos para EFPC

Marcus Vinicius Gonçalves

Duas tendências que estão ganhando cada vez mais força na gestão de recursos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) são os investimentos no exterior e a adoção de critérios ASG (ambiental, social e governança). Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, Marcus Vinicius Gonçalves, CFA Director e Head da Franklin Templeton no Brasil, analisa o cenário econômico atual e a opção pela ampliação das alocações nos mercados internacionais.

“Acreditamos que os mercados internacionais têm tudo para prover combinações melhores, soluções melhores”, comenta Marcus Vinícius em trecho da entrevista. O gestor comenta a disseminação dos conceitos e práticas ASG na gestão de ativos dos mercados globais. Confira a entrevista na íntegra a seguir:

Blog Abrapp em Foco – Como você vê a internacionalização dos investimentos das EFPCs?

Marcus Vinícius Gonçalves – Com muito otimismo. A redução das taxas de juros nominais e reais no Brasil deve fomentar a busca por alternativas de investimento para atender às necessidades atuariais das EFPCs. Acreditamos que os mercados internacionais

têm tudo para prover combinações melhores, soluções melhores. Algumas classes de ativos no exterior encontram-se em um nível particularmente atrativo de preços, a exemplo das ações norte-americanas de valor. As taxas de juros lá fora estão em patamares muito baixos e o mercado brasileiro ainda prescinde de condições mínimas de liquidez e diversidade para atender ao investidor que até recentemente encontrava na renda fixa soberana o seu único porto seguro.

Blog Abrapp – Quais benefícios os gestores globais podem oferecer para as EFPCs?

Marcus Vinícius – Nossa resposta padrão é “diversificação”, mas creio que vale a pena elaborar um pouco mais o tema para ressaltar as múltiplas dimensões. Em primeiro lugar, a alocação em ativos de países distintos implica naturalmente uma diversificação dos riscos geográficos. Adicionalmente, é possível encontrar nos mercados internacionais uma infinidade de indústrias não representadas no mercado brasileiro – pensemos nos exemplos óbvios de tecnologia e farmacêutica – o que acarreta a diversificação setorial. Os investimentos podem ser realizados em várias moedas, ou seja, os riscos de concentração em apenas uma delas, o Real, que está longe de ser uma moeda livremente conversível, podem ser mitigados. A construção da carteira também pode ser realizada com ativos de natureza distinta, com renda fixa, ações, alternativos, o que significa diversificação por classe de ativos. E assim por diante.

Blog Abrapp – A diversificação também se expressa nas opções de gestores?

Marcus Vinícius – Além dos benefícios listados acima, oriundos da diversificação, podemos citar uma série de outras vantagens que os gestores globais podem oferecer para as EFPCs, dentre os quais a profundidade de análise, a liquidez proveniente de operações em mercados com maior profundidade, a transparência na precificação dos ativos, custos menores derivados de maior escala. Também se pode acessar mercados com regras mais efetivas de compliance que visam a punição efetiva a transgressões comuns em mercados menores, como por exemplo de casos de insider trading, e maior oferta de empresas com características comprovadas de ASG.

Blog Abrapp – Falando de ASG, a demanda por investimentos neste segmento é crescente. Como os fundos internacionais navegam por ele?

Marcus Vinícius – A temática do investimento sustentável, que engloba o conceito ASG e todas as suas implicações, deixou há tempos de ser algo “de nicho” se tornou uma base fundamental da tomada de decisões no cenário de investimentos globais. Segundo a nossa visão, as principais razões para o crescimento são as seguintes: há clara evidência de que os princípios ASG geram um impacto positivo nos retornos ajustados a risco de longo prazo; a implementação evoluiu no sentido de estratégias que focam em atributos positivos, ou seja que vão mais além das “listas de exclusão”; a quantidade e a qualidade de opções de investimento nas mais diversas classes de ativos tem crescido substancialmente; o conceito de dever fiduciário tem evoluído na direção de considerar os aspectos mais amplos da gestão, como a importância dos “stakeholders”; e a demanda pelo tema e pelos produtos, em consequência, segue aumentando consideravelmente, inclusive por parte das novas gerações (“millennials”), que querem investir da forma como vivem.

Blog Abrapp – Qual é o histórico da gestão ASG na asset de vocês?

Marcus Vinícius – Da nossa parte, temos confiança de que a importância da temática ASG tende a beneficiar os gestores como a Franklin Templeton, mais estruturados para lidar nas distintas frentes. No Brasil, podemos citar como exemplos nosso histórico de atuação no campo da governança, que deu ensejo à criação do fundo Franklin Valor e Liquidez há mais de duas décadas, e a preocupação com a diversidade, que nos motivou a lançar recentemente o Vitreo Franklin W-ESG, um fundo de BDRs que alia aspectos ASG com o tema da igualdade de gêneros (o “W” se refere a “Women”, mulheres em inglês). Globalmente, nosso compromisso com a sustentabilidade está igualmente presente em uma série de iniciativas, sendo a mais recente a aquisição da holding Legg Mason, que trouxe para o grupo o conhecimento e experiência de gestoras como a ClearBridge, pioneira global no assunto .

Blog Abrapp – Poderia comentar sobre a recente mudança que possibilitará a listagem de BDRs lastreados em fundos internacionais?

Marcus Vinícius – Em princípio, vimos as mudanças como positivas no sentido de permitir a todos os investidores brasileiros, inclusive o chamado “público em geral”, mais acesso a alternativas de investimento global, ainda que por meio de um veículo que não passa de um “filtro” (o BDR). Não obstante, na nossa visão a alteração criou uma assimetria prejudicial aos investidores, ao privilegiar as ações e os fundos de índice (ETFs) em detrimento dos investimentos de veículos locais, os chamados “feeders”, em fundos ativos no exterior, que ainda seguem disponíveis apenas para o público qualificado. Desta forma, vemos a flexibilização como necessária porém insuficiente, e um certo juízo de valor a respeito dos benefícios dos fundos passivos, que estão longe de ser inequívocos.

Blog Abrapp – Poderia comentar como enxerga o futuro do acesso aos investimentos no exterior?

Marcus Vinícius – Em que pese a preocupação do regulador em manter uma supervisão estritamente local dos veículos de investimento no exterior, esperamos um dia poder chegar a uma condição ideal na qual o investidor institucional possa ter acesso direto aos mercados mais líquidos sem a necessidade dos filtros acima mencionados, que adicionam custos de transação e intermediação desnecessários. O caminho passa pela cooperação e mútua confiança entre reguladores globais e pelos esforços dos agentes no sentido de buscar uma condição de maior transparência na descoberta dos preços.

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