Entrevista: “Precisamos nos debruçar sobre o que esperamos do sistema para daqui 30 ou 50 anos”

Em entrevista exclusiva para o Blog Abrapp em Foco, a Diretora Superintendente da RaizPrev, Futura e Futura II, Suzi Mateus, transmite seu diagnóstico sobre a situação atual do sistema, que pode caminhar para a estagnação, caso não sejam realizadas mudanças efetivas nas políticas de benefícios oferecidas pelas entidades fechadas e suas patrocinadoras. 

Com a experiência de mais de 33 anos no segmento de previdência complementar, a dirigente explica como as premissas dos planos antigos estão desatualizadas e a necessidade de adoção de uma visão de longo prazo, com horizonte de 30 ou 50 anos, para projetar novos desenhos de benefícios. Para isso, é fundamental ouvir os novos colaboradores das patrocinadoras para entender quais são suas aspirações e necessidades. De um processo de escuta dos participantes é que nasceu o Projeto Ampliar e outras iniciativas que estão transformando a realidade dos Planos administrados pelas entidades RaizPrev e Futura II.

Antes da atual posição, Suzi Mateus trabalhou na Fundação Francisco Conde (EFPC do Banco de Credito Nacional) por 9 anos, e na Mais Vida Previdência (EFPC da Motorola do Brasil) por mais de 10 anos. Desde 2009, vem atuando na Futura e, a partir de 2011, também na Futura II e na RaizPrev. Em 2017, montou uma consultoria para previdência complementar e para orientar executivos em suas transições de carreira. Leia a seguir a entrevista na íntegra: 

Blog Abrapp em Foco: Qual a sua análise sobre as perspectivas atuais quanto ao estoque de planos do sistema de Previdência Complementar Fechada?

Suzi Mateus: Entendo que precisamos de um novo olhar sobre o que já conhecemos do sistema, pois a maioria dos planos foi desenhado com um modelo desenvolvido para ser infinito. Com adesões automáticas, grandes massas de participantes, carreiras completas na mesma organização e renda vitalícia oferecida pelo modelo de benefício definido (BD), são alguns exemplos que tinham como objetivo a retroalimentação eterna do modelo. No entanto, tudo mudou, e as variáveis não são mais as mesmas. Com isso, temos mais perguntas que respostas sobre o futuro e precisamos partir de novas premissas, pois mudanças simples e alguns ajustes no modelo não nos trarão as respostas que precisamos. 

Blog: O sistema caminha para o esgotamento dos recursos? Quais as dificuldades de manter a sustentabilidade das entidades fechadas?

Suzi Mateus: Não acredito no esgotamento dos recursos, mas sim em uma estagnação, com patamares muito inferiores àqueles que podemos ter se não fizermos nada. Mais que pensar no esgotamento dos recursos, acredito que precisamos nos debruçar sobre o que esperamos do sistema para daqui 30 ou 50 anos, afinal o que estamos usufruindo hoje foi desenhado nas décadas de 60 ou 70, ou até mesmo antes disso. Entendo que cada geração precisa repensar, recriar, aprender com o que já vivemos e mergulhar em um futuro desconhecido, porém, baseado nas premissas que temos hoje, pois a população que será beneficiária deste novo modelo já está presente e pode nos ajudar a desenhar este futuro.

Blog:  Quais as saídas ou caminhos para o fomento do sistema? Quais os elementos fundamentais para garantir a sustentabilidade do sistema?

Suzi Mateus: Adoraria ter todas estas respostas, mas a única certeza que tenho é de que precisamos estudar o perfil dos novos participantes. Entender as novas carreiras, o que estes jovens estão construindo e com isso, pensar em quais modelos precisamos desenvolver para buscar as soluções que precisamos hoje.

A partir de 2017, começamos a realizar alguns Cafés da Manhã com participantes de todos os perfis e áreas de negócios, com o objetivo de ouvi-los e mais que isso, sentir o quão distantes estamos do que eles esperam de um plano de aposentadoria que irá lhes atender daqui a mais de 20 ou 30 anos.

Blog: Poderia contar mais sobre essa iniciativa de ouvir os participantes? Já foi possível tomar algumas decisões?

Suzi Mateus: A experiência foi única. Além de enriquecer nosso conhecimento sobre o que eles pensavam sobre os planos, percebemos que precisamos entender melhor o que nós, da gestão dos benefícios, desejávamos para o futuro. Neste momento criamos o Projeto Ampliar, e uma das primeiras ações foi realizar um Planejamento Estratégico e o desenho de um Novo Modelo de Plano partindo do zero. Não seria um modelo que já tínhamos visto ou vivido, seria a partir do que estávamos vendo e ouvindo. O novo plano foi desenhado para duas empresas do grupo que tinham um PGBL. Desenhamos o modelo que idealizamos sem amarras, baseado no que construímos nessas ações.

A partir daí passamos a alinhar e ajustar o modelo com a consultoria que nos atende e com a Previc. A experiência foi ótima. A Resolução CNPC n. 50/2022 estava no forno, então pudemos avançar no nosso modelo e inovar naquilo que desejamos criar.  Se você me perguntar se o novo plano resolve todos os problemas de sustentabilidade e fomento do sistema, minha resposta é: ainda não, mas com certeza começamos a ler o cenário a partir de quem está desenhando e construindo esse futuro.

Blog: Poderia comentar o papel das lideranças para superação dos desafios?

Suzi Mateus: Acredito que nosso papel é único! Somos os designers desse planejamento de longo prazo. Sentimos e vivemos de perto a realidade dos nossos participantes, em cada fase da vida, sejam ativos, assistidos, BPDs (benefício proporcional diferido) e autopatrocinados. 

Acredito que sejamos gestores de um negócio, e que precisamos nos sentir empoderados e responsáveis por ele. Assim como as patrocinadoras estão atentas o tempo todo sobre seus mercados e os afins e como os cenários estão se desdobrando, temos o mesmo papel em nosso segmento. Estamos envolvidos diariamente neste universo, mais do que qualquer um e somos apaixonados pelo tema, conhecemos os participantes, em muitos casos, até pelo nome e suas trajetórias de carreira. Somos os especialistas, mais do que gestores de Planos de Aposentadoria, somos gestores dos Planos e Sonhos Futuros de nossos participantes.

Blog: Gostaria de citar alguma iniciativa bem-sucedida dos Planos que administram? 

Suzi Mateus: Como já falei um pouco acima, estamos na fase de conclusão da segunda etapa do Projeto Ampliar. A primeira foi o desenvolvimento de um plano CD [contribuição definida] moderno e mais voltado para as novas gerações. Em janeiro de 2022 nasceu o FuturaFlex nosso primeiro plano CD e, como o nome já diz, ele é mais flexível e busca atender o momento atual. Pensamos em um modelo que pudesse atender os participantes em várias situações ao longo da vida, como ter um Benefício Provisório enquanto ativo, por um período, para ajudá-lo em alguma fase de dificuldade. Redefinimos as carências dos institutos gerando maior opção aos participantes. 

Repensamos o conceito de aposentadoria e quando deve acontecer. Atualmente as pessoas podem iniciar uma carreira solo mais cedo, e para isso, poder se aposentar e ter uma renda que seja suporte para a nova carreira também faz parte deste futuro. 

Além dos participantes, também precisamos de um plano que possa ser acessível às patrocinadoras e se adequar aos seus ciclos. Com isso as patrocinadoras podem ter tabelas diferenciadas de contribuição e alterá-las periodicamente. 

No caso do FuturaFlex, migramos de um PBGL para um plano fechado, com condições diferentes, desenvolvemos um grande projeto de gestão de mudança, envolvendo todas as áreas das patrocinadoras, como RH, todos os níveis de liderança e todos os participantes. Foi um trabalho maravilhoso e muito gratificante.

Blog: Como continua esse projeto de mudanças?

Suzi Mateus: A segunda etapa do Projeto Ampliar é a incorporação de duas das três entidades que administramos. Esta etapa já foi aprovada pela Previc em julho e tem sua data efetiva para 2 de janeiro de 2024, quando nascerá a FuturaMais, que administrará inicialmente 3 planos: Plano de Aposentadoria Raiz, Plano de Aposentadoria Futura II e Plano de Aposentadoria FuturaFlex.

Além de iniciativas voltadas para os modelos e regras dos planos, temos também o +Energia para o futuro, nosso projeto de segunda carreira! Um programa focado no auxílio e suporte do planejamento das pessoas para esse momento. Iniciamos em 2018 um piloto, no qual tínhamos como maior objetivo um trabalho de reflexão e autoconhecimento com os participantes mais maduros, para ajudá-los a pensar nos próximos passos. 

Não acredito que a geração que esteja entre 50 e 60 anos atualmente esteja preparada para se aposentar, no conceito de apenas desativar suas habilidades e toda maturidade conquistada. Porém para essa transição é preciso muito trabalho, mental e emocional, além do financeiro. E para isso contamos com um dos programas que mais amamos, o + Energia. E está no forno um projeto para melhorar a longevidade e qualidade de vida de nossos aposentados. 

Blog: Existem outros projetos para o futuro?

E para o próximo ano iniciaremos a terceira etapa do projeto que será estudar as inovações do FuturaFlex para os demais planos e até mesmo incorporá-los, se este for o melhor desenho. E continuar estudando novos caminhos, novos patrocínios e novas formas. Sabemos que ainda não temos o modelo ideal, mas que estamos nos preparando para navegar nesse novo mundo e tentar surpreender e atender nossos participantes e patrocinadores.

Blog: Com tudo isso, como enxerga o sistema daqui a 10 anos? Poderia transmitir sua visão estratégica para abrir o futuro do sistema?

Suzi Mateus: Bem, sou otimista por natureza. Acredito que podemos olhar o desconhecido e desenhar a partir dele, então sei que temos muito trabalho. Hoje acredito que o mais importante seria pensar em como gerar uma cultura de educação financeira em nossos jovens. Precisamos desenvolver esta habilidade ainda na infância e com isso criaremos um patamar sobre o que significa poupança de longo prazo, e não apenas isso, mas como ser independente e responsável financeiramente. Mas temos que aprender com estes jovens também, sobre seus sonhos, suas carreiras e como podemos ser suportes ativos nessa caminhada.

Não tenho respostas para esse futuro, mas tenho certeza de que vamos criar modelos e redefinir esse projeto de longo prazo. Afinal além do aumento da expectativa de vida, que por si só já é um grande motivador para repensarmos o futuro, temos um aumento de nossa longevidade intelectual que nos será muito útil e importante para desenhar esse novo futuro!

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