Entrevista: Projeto de Lei que regulamenta Reforma Tributária traz classificação inadequada para as EFPCs 

Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, a advogada Mariana Monte Alegre de Paiva, sócia do Pinheiro Neto Advogados e especialista em matéria tributária e previdenciária, explica porque o PLP nº 68/2024 não propõe tratamento adequado para as entidades fechadas de previdência complementar para fins de cobrança dos novos CBS e IBS. 

A meu ver o tratamento do PLP nº 68/2024 para fins tributários, que submete as EFPCs a um regime específico aplicável aos serviços prestados por instituições financeiras e equiparadas, é inadequado”, comenta a especialista em trecho da entrevista. Ela lembra o histórico da discussão sobre a tributação das entidades fechadas, que remonta para a cobrança do PIS e Cofins, que ainda não foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Confira a entrevista a seguir na íntegra: 

Blog Abrapp em Foco: Como o PLP nº 68/2024 classifica as entidades fechadas de previdência complementar para fins de tributação?

Mariana Monte Alegre de Paiva: A Reforma Tributária quer acabar com uma antiga e complicada discussão envolvendo a cobrança do ISS e do ICMS, eliminando os conceitos tradicionais de bens e serviços. Pela nova lógica adotada, bens são todos os bens materiais e imateriais incluindo direitos, enquanto que todo resto que não for enquadrado como bem necessariamente será tratado como serviço. Por isso, o PLP nº 68/2024 classifica as atividades das EFPCs como serviços de previdência complementar, dentro do Capítulo que trata de serviços financeiros. Importante notar que o PLP não diferencia as entidades abertas das fechadas no que tange à natureza de suas atividades, desconsiderando o fato de que as EFPCs são entidades sem fins lucrativos que não exploram atividade comercial propriamente dita. Logo, a meu ver o tratamento do PLP nº 68/2024 para fins tributários, que submete as EFPCs a um regime específico aplicável aos serviços prestados por instituições financeiras e equiparadas, é inadequado.

Blog: Por que essa classificação é inadequada? Na sua concepção, qual é a classificação correta?

Mariana: Essencialmente porque parte da premissa que há valor agregado na atividade das EFPCs, que seriam passíveis de tributação tanto pela CBS como pelo IBS. Como mencionei, as EFPCs não tem fins lucrativos e tem como único propósito gerir recursos financeiros em prol dos participantes e assistidos, visando ao pagamento de benefícios previdenciários futuros. Não há auferimento de receita propriamente dita, nem margem de lucro nem valor agregado nessa atividade passível de tributação pelos novos tributos instituídos pela Reforma Tributária. Mas o PLP vai na contramão e determina que a princípio as EFPCs, tratadas da mesma forma sem a devida diferenciação das EAPCs, serão consideradas prestadoras de serviços e devem recolher tanto CBS como IBS em suas operações. A base de cálculo abarca as “receitas” de contribuições, de qualquer natureza (normais ou extraordinárias), e encargos decorrentes de estruturação e manutenção de planos de previdência, podendo excluir apenas valores destinados a provisões / reservas técnicas e serviços de intermediação.

Ora, a própria definição da base de cálculo desconsidera a real natureza das atividades das EFPCs, na medida em que pretende tributar todo e qualquer valor que ingressa no patrimônio da entidade, quando na realidade o que ingressa é patrimônio de terceiros – participantes e assistidos – e não da entidade.

Blog: Poderia explicar os antecedentes desta questão?

Mariana: Há anos enfrentamos uma briga relevante que é a incidência e a cobrança de PIS/COFINS nas atividades das EFPCs. É uma discussão antiga e que ainda não foi pacificada – há um Leading Case da Previ pendente de julgamento pelo STF. Essa discussão está sendo transposta para o PLP nº 68/2024, só que em vez de discutir o PIS/COFINS vamos discutir a CBS, e, de quebra, o IBS, que tem essencialmente as mesmas regras de cobrança. Lembrando que hoje em regra as entidades fechadas não estão sujeitas ao ISS. Agora, se o PLP nº 68/2024 vingar nos termos propostos, não teremos apenas a CBS, que substitui o PIS/COFINS, mas ainda o IBS, que em princípio vai substituir o ISS e o ICMS. Embora as alíquotas não estejam fixadas, fazendo o PLP nº 68/2024 menção apenas às chamadas “alíquotas de referência”, é bastante possível que haja um aumento de carga tributária para as EFPCs, o que seria muito negativo para o setor de previdência complementar fechado, que é muito relevante para a formação de poupança de longo prazo da sociedade.

Blog: Poderia explicar com mais detalhes o possível aumento da carga tributária sobre as EFPCs caso o PLP não seja modificado?

Mariana: A respeito do possível aumento de carga tributária, comparando os sistemas, hoje as EFPCs já são equiparadas de certa forma a instituições financeiras e estão sujeitas ao regime cumulativo de PIS/COFINS, têm alíquotas mais baixas do que o regime cumulativo mas não gera direito ao creditamento. No modelo proposto pelo PLP 68/2024, as EFPCs entrarão em um regime não-cumulativo, ou seja, é de se esperar que as alíquotas de CBS/IBS sejam mais altas do que os 4,65% cobrados atualmente, sem direito ao creditamento. O PLP estabelece de forma direta a vedação ao crédito na aquisição de serviços de previdência complementar, aberta ou fechada. Então o patrocinador, por exemplo, que contribui regularmente ao plano em prol de seus funcionários, sequer teria crédito de CBS/IBS para aproveitar. Mais um desestímulo ao setor.

Blog: Por que as EFPC não devem receber tratamento tributário como as demais instituições financeiras como bancos, seguradoras e entidades abertas?

Mariana: Embora haja evidentemente uma gestão de recursos financeiros, as EFPCs não visam lucro, são entidades meramente gestoras que administram recursos de terceiros sem qualquer intuito lucrativo. O objetivo é gerir os recursos bem para viabilizar o pagamento de benefícios futuros. É uma circunstância totalmente diferente do setor financeiro em geral, tanto que as EFPCs estão sujeitas ao controle e fiscalização da Previc. Existe um caráter social de natureza previdenciária muito relevante aqui nesse setor. Tanto é que toda regulamentação da Previc visa justamente garantir que os participantes e assistidos tenham a melhor proteção possível, e que a gestão dos recursos pelas EFPC seja pautada pelos princípios da cautela, boa-fé e prudência, evitando que qualquer desequilíbrio atuarial prejudique quem investiu no plano com o propósito de formação de poupança de longo prazo.

Blog: Qual a expectativa de reverter o direcionamento do PLP nº 68/2024 neste aspecto?

Mariana: Existe um outro PLP, o de nº 52/2024, proposto para regulamentar a CBS e o IBS no que trata o regime específico de serviços financeiros, e esse outro PLP prevê de forma simples e objetiva: incide alíquota 0% de CBS e IBS sobre serviços de previdência complementar prestados por entidades sem fins lucrativos. Esse é o melhor cenário, acabamos com toda discussão e garantimos um tratamento mais adequado às EFPCs. Ainda, isso garantiria a manutenção dos créditos relativos às operações anteriores – ou seja, crédito para a própria EFPC quando adquire algum bem ou serviço. Temos que torcer para que um tratamento similar ao previsto no PLP nº 52/2024 seja incorporado no PLP nº 68/2024.

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