Entrevista: “Queremos projetar os próximos 15 anos para a Previdência Complementar”, diz Ricardo Pena

Ricardo Pena

A Previc está completando 15 anos em 2024. Fundada em 2009 no segundo mandato do Presidente Lula, seu primeiro Diretor Superintendente foi Ricardo Pena. Nesses quinze anos, a autarquia passou por altos e baixos, inclusive com tentativa de extinção, em 2019. Com a nova gestão do governo federal a partir de 2023, a Previc volta a ganhar protagonismo para defender a sobrevivência dos planos, além de incentivar o fomento do sistema. 

Novamente Ricardo Pena reassume o comando da autarquia e passa a trabalhar em parceria com as principais entidades representativas do setor – Abrapp e Anapar. Para celebrar o aniversário do órgão, a Previc está organizando o Seminário “Previc 15 anos”, que conta com apoio institucional da Abrapp – no próximo dia 13 de março (as inscrições estão encerradas). Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, o Diretor Superintendente da Previc resgata o momento de criação do órgão em 2009, ao mesmo tempo que passa pelos momentos mais difíceis de ameaça a sua continuidade, para logo promover uma fase de reconstrução desde 2023. 

Além disso, ele traça algumas das prioridades mais imediatas do governo e antecipa algumas mudanças nas regras de investimentos das entidades. Confira a seguir a entrevista na íntegra: 

Blog Abrapp em Foco: Poderia resgatar o momento de criação da Previc? Qual era o contexto social e político do surgimento da autarquia?

Ricardo Pena: Antes da criação da Previc, tínhamos um órgão sem autonomia, que era a antiga Secretaria de Previdência Complementar. Era uma secretaria dentro da estrutura do Ministério, com a responsabilidade de fazer a supervisão, a política, os julgamentos e o papel de regulação também. Então, não se tinha uma divisão das estruturas adequada para a política pública, de incentivo e organização para o setor.

Blog: Houve uma tentativa anterior que não prosperou?

Ricardo Pena: Estávamos vindo de uma tentativa em 2004 de criar a Previc, que não logrou êxito. Houve um problema e naquele momento não foi possível. A Medida Provisória caiu por decurso de prazo. Depois a gente se organizou novamente, no segundo mandato do governo do Presidente Lula, sob a liderança do Ministro [José] Pimentel. Este segundo projeto tinha as mesmas bases do primeiro, mas não se utilizou de uma Medida Provisória. Encaminhou-se via Projeto de Lei para discutir com o Parlamento o melhor desenho da autarquia.

O governo apresentou o Projeto de Lei em 2009, tramitou no primeiro semestre na Câmara, no segundo semestre no Senado, foi sancionado pelo Presidente em dezembro de 2009. Ou seja, o contexto era de necessidade, pela importância que o governo sempre deu para a previdência complementar, para fortalecer o papel do estado e fortalecer o crescimento da previdência.

Blog Abrapp em Foco: Quais os momentos de maior dificuldade nesses 15 anos? Poderia destacar algum momento de ameaça para a sobrevivência da Previc? 

Ricardo Pena: A principal ameaça foi a tentativa de fechar a Previc em 2019, que chegou a ter uma Medida Provisória. A minuta da Medida Provisória incorporava as atribuições da Previc na Susep. Isso foi realmente uma ameaça severa para a autarquia, porque isso foi prometido em uma quarta-feira que na sexta-feira sairia a Medida Provisória, e até hoje não saiu.

Blog: Mesmo sem acabar com a Previc, houve consequências negativas para o órgão naquele momento?

Ricardo Pena: Sim, houve a desmobilização da autarquia em termos de estrutura, orçamento, pessoal e tecnologia. Naquele período, depois da Medida Provisória e no restante daquele governo, a Previc foi muito esvaziada, foi desprestigiada. Estava dentro do Ministério da Economia, depois foi transferida para o Ministério do Trabalho. Então, não tinha importância, não tinha protagonismo, o que foi muito ruim não só para a própria autarquia, mas para o setor como um todo.

Blog Abrapp em Foco: Quais os principais avanços da Previc desde 2023, no início da sua gestão?

Ricardo Pena: A partir do relatório da equipe de transição, publicado em dezembro de 2022, tivemos um diagnóstico da importância do setor, do que tinha que ser feito, o que precisava ser refeito e o que precisava ser reforçado. A partir de 2023, passamos a a implementar as medidas que foram discutidas dentro do relatório de transição.

Os principais avanços foram, em primeiro lugar, buscar o reforço da autarquia. Para isso, buscamos mais orçamento, conseguimos um concurso público para maio para a entrada de 40 novos servidores prevista para agosto. Tivemos investimentos em tecnologia. A ideia é montar um sistema próprio da Previc. Até hoje isso nunca existiu.

Blog: A recriação do Ministério da Previdência foi um fato importante, não é mesmo? Como isso impactou positivamente o setor?

Ricardo Pena: Claro, o Ministério da Previdência foi recriado e isso trouxe uma proteção maior. Antes, tínhamos uma perspectiva muito financeira da previdência complementar e agora retomamos a perspectiva de proteção social. Com isso, medidas importantes foram tomadas, por exemplo, se montou o Grupo de Trabalho para fazer a revisão das normas, como foi feito no primeiro governo do Presidente Lula. A partir disso, tivemos o waiver do déficit de 2022. Tivemos a nova medida de retirada de patrocínio que mudou radicalmente o sentido que tinha. Antes existia um direcionamento de estímulo à retirada. Agora a empresa pode sair, mas tem que cumprir suas obrigações e o plano pode continuar existindo.

Nós tivemos esse ano a nova Lei Tributária, que mudou o momento da escolha do Regime Tributário. Tivemos também a adesão automática, que foi instituída pelo CNPC e que estamos cuidando dos detalhes para implementar, e ainda a Resolução Previc 23/2023, que consolidou a regulação do setor. Naquele momento da transição, falava-se muito em revogaço, mas acabamos com uma orientação mais equilibrada de revisão e consolidação das normas.  

Blog: Quais aspectos ainda é necessário maior avanço para que a Previc tenha plena autonomia como órgão de estado?

Ricardo Pena: Saímos de um período muito ruim. Estamos concentrando esforços para reconstruir a fortalecer a autarquia, é o que está na agenda. Como já disse, estamos realizando um concurso público, investindo em tecnologia e capacitação, ter uma sede própria. Parece básico mas é o que ainda estamos lutando após 15 anos. Os próximos passos é que precisamos contar com mandatos para diretores, cuidar a taxa de fiscalização, que hoje tem um nível de quase 50% de contingenciamento. Apesar de cobrar integralmente das entidades, o recurso não fica integralmente aqui. Queremos estabelecer um plano de carreira com competência própria. 

Blog: O direcionamento da arrecadação da Tafic para a Previc é um ponto importante?

Ricardo Pena: Sim, muito importante. Hoje arrecada-se R$ 87 milhões, mas a Previc só tem autonomia para gastar R$ 43 milhões. O restante fica contingenciado no Tesouro. Nesse aniversário de 15 anos, temos todos esses pontos para serem desenvolvidos.

Blog: O que representa a realização do Seminário “Previc 15 anos” e de sua programação?

Ricardo Pena: O objetivo do seminário é promover uma reflexão de até que ponto chegamos e queremos projetar os próximos 15 anos para a Previdência Complementar. Sobretudo, queremos olhar para a parte dos investimentos e como se relaciona com a poupança previdenciária em termos de investimentos em infraestrutura, investimentos sustentáveis. Queremos discutir os modelos de solvência dos planos. No segundo painel, queremos discutir a parte de governança, estrutura de tecnologia, das entidades e da própria Previc. Como essa interação pode melhorar em termos de custos e avanços, pensando em prol do participante e do assistido. 

É um momento de comemoração pelos 15 anos, mas também de reunir as lideranças do setor, da Abrapp, Anapar, entidades e governo, para projetar o que podemos fazer. O que temos na agenda mais imediata é a revisão da Resolução CMN 4.994/2022 e a revisão do Decreto 4942/2003, além do que está sendo discutido no CNPC, que é a marcação dos títulos, PGA e a Resolução CNPC 30/2018. 

Blog: Quais as novidades que a revisão da Resolução CMN 4.994/2022 deve trazer para o mercado?

Ricardo Pena: Basicamente, pretende-se reabrir os investimentos diretos em imóveis, em tijolo mesmo. Deve-se melhorar a regulamentação das regras para investimentos em FIPs, que foi muito demonizado no passado. Permitir novas classes de ativos, de transmissão energética, créditos de carbono, fiagro. Existe a demanda de cripto ativos, mas acreditamos que ainda não é o momento oportuno, pois o mercado ainda tem baixa maturidade de regulação, com muita volatilidade. O segmento de investimentos no exterior ainda não pretendemos mudar, pois o percentual utilizado é de apenas 2%, então, o limite atual de 10% é suficiente.

Blog: O que deve mudar nas regras dos FIPs?

Ricardo Pena: A ideia do FIP é melhorar a segurança jurídica, reduzir o limite máximo de 15% para 10% e vetar que a fundação ocupe assento no comitê de investimentos do FIP. Deve-se limitar em até 40% do patrimônio do FIP a participação das entidades – hoje é 100%. Ou seja, pretende-se criar mais regras para garantir a segurança dos investimentos em FIPs.  

Blog: Poderia comentar a parceria com as entidades representativas do sistema, a Abrapp, e a Anapar? 

Ricardo Pena: É algo muito positivo o papel que a Abrapp está desempenhando, e também da Anapar, que entenderam o momento que o governo está priorizando e fortalecendo a Previdência Complementar. Desta forma, mantendo o papel tanto do estado quanto do setor privado, se houve alinhamento de esforços e propósito, a Abrapp pode contribuir muito para o desenvolvimento das entidades, das operações e do próprio setor. Isso é o que o governo também deseja, fortalecer a Previdência Complementar como instrumento de poupança, investimentos e, sobretudo, para ampliar a proteção social com uma renda adicional. Então, essa interação do estado com as associações de mercado é fundamental para fomentar o setor. 

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