Entrevista: Relatório do TCU utiliza critérios inadequados

Amarildo Vieira de Oliveira

Os pretensos problemas de governança apontados por um recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), disponibilizado no último dia 29 de outubro, sobre a governança de 36 Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) de patrocínio público federal (cinco delas sob regime especial), são decorrentes da falta de critérios adequados utilizados no levantamento. Esse é um dos problemas apontados pelo Diretor-Presidente da Funpresp-Jud e Diretor Executivo da Abrapp, Amarildo Vieira de Oliveira, que questionou a metodologia do relatório.

“O TCU tem um corpo técnico especializado na fiscalização e atuação junto à administração direta ou empresas públicas. Isso eles sabem fazer muito bem. O problema é aplicar os mesmos critérios dessa fiscalização para nosso setor de EFPC”, disse Amarildo em trecho da entrevista. O dirigente mostra também outro problema da pesquisa que foi realizada integralmente com base em questionários com perguntas fechadas enviados para as entidades. Não houve nenhum trabalho de campo ou maior interação conosco.

O Diretor-Presidente da Abrapp, Luís Ricardo Martins, já havia apontado uma série de inconsistências no levantamento. “O relatório traz uma análise de cunho generalista e superficial sobre a governança das entidades fechadas. O documento ignora os enormes avanços da governança do sistema, que são amplamente reconhecidos pela Previc, que é o órgão que conta com a especialização necessária para avaliar o setor”, afirmou (leia matéria na íntegra). A Abrapp e o Sindapp entraram, respectivamente, com duas ações neste ano – uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e um mandado de segurança – no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a fiscalização do TCU sobre as EFPC.

Leia os principais trechos da entrevista de Amarildo Oliveira sobre o assunto:

Não houve pesquisa de campo

“Eu li e analisei o relatório do TCU. Acredito que foi um equívoco em divulgar as conclusões de um levantamento tão superficial. A pesquisa do Tribunal foi realizada apenas em questionário enviado às entidades com perguntas fechadas. Não houve nenhum trabalho de campo ou maior interação conosco. Foi apenas um questionário com perguntas fechadas, com resposta do tipo “sim” ou “não”. Pelo menos as perguntas deveriam admitir respostas abertas, mas não havia essa possibilidade”.

Estruturas diferentes

“O relatório aponta que parte expressiva das entidades de patrocínio público estão desprotegidas, que apresentam risco de integridade. Não é isso o que percebemos na realidade. Quando atuava no Supremo Tribunal Federal, eu respondia a vários questionários do TCU, mas é preciso perceber que são estruturas totalmente diferentes. Uma coisa é a administração direta e as empresas estatais ou de economia mista. Outra coisa são as Entidades Fechadas de Previdência Complementar”.

Critérios inadequados

“O TCU tem um corpo técnico especializado na fiscalização e atuação junto à administração direta ou empresas públicas. Isso eles sabem fazer muito bem. O problema é aplicar os mesmos critérios dessa fiscalização para nosso setor de EFPC. Não tem nada a ver. São critérios e práticas totalmente diferentes. As linhas de defesa da Previdência Complementar Fechada, que não são poucas, ao contrário, são muitas e totalmente diferenciadas. É um problema de falta de especialização do TCU e de uso de critérios inadequados para nos fiscalizar”.

Problema de referencial

“Aqui na Funpresp-Jud, assim como em outras entidades, temos controle interno, comitê de auditoria, auditoria externa, somos fiscalizados pela Previc, pelos patrocinadores e, além disso, somos fiscalizados indevidamente pelo TCU. São muitas linhas de defesa, com uma fiscalização especializada da Previc. São linhas de defesa muito distintas do que o TCU está acostumado a cobrar da administração e das empresas públicas. É simplesmente um problema de referencial. O TCU aponta que as EFPC não estão aderentes aos seus critérios. Eu diria que é exatamente o contrário, é o TCU que não está aderente às práticas que nosso sistema vem adotando”.

Falta de especialização

“A elaboração e divulgação desse relatório é mais uma argumento forte que o TCU não deveria ter competência para fiscalizar as entidades fechadas. O Tribunal utiliza legislação e critérios que não se aplicam. Não há uma norma específica para que o TCU realize uma fiscalização adequada, não há regras adequadas para juntar evidências na atuação junto às EFPC. O órgão parte de premissas falsas. Por exemplo, o Tribunal considera que os recursos das fundações são públicos. Isso não é verdade. O recurso é público enquanto está no patrocinador, mas quando é aportado para a entidade, deixa de ser público. Então, o TCU deveria ter uma atuação adstrita aos patrocinadores”.

Fiscalização da Previc

“A Previc conta com uma estrutura especializada e adequada para nos fiscalizar. A autarquia possui canais de denúncias. Ela nos cobra regras e órgãos de governança. Por isso, temos Conselhos Deliberativo, Conselho Fiscal, Comitê de Auditoria e Controle Interno. E a grande maioria dos dirigentes e das entidades têm uma atuação íntegra, de alto grau de profissionalismo”.

Problemas na imagem

“A base de nossa atuação é a confiança. Em geral, os participantes confiam em nosso trabalho. Quando um relatório desse tipo, sem fundamentos sólidos, é divulgado, nossa imagem fica arranhada. Temos de fazer todo um trabalho de esclarecimento. Mesmo assim, os patrocinadores e participantes depositam muita confiança nas EFPC. O sistema tem mostrado grande evolução na governança e na gestão nos últimos anos”.

Resultados do relatório

“Mesmo com os pretensos problemas apontados pelo relatório do TCU, o próprio órgão concluiu que não encontrou nenhum problema de integridade e corrupção nas EFPC. Como diz no próprio relatório, no item 9, não foi possível detectar nenhuma irregularidade. A Previc também não tem apontado nenhum problema de desvio recente. Nosso sistema tem evoluído bastante na direção de maior blindagem e maior profissionalismo. Isso também se deve ao intenso trabalho realizado pela Abrapp, pelo ICSS, UniAbrapp, além da própria Previc”.

Sistema sólido

“Nós pagamos mais de R$ 70 bilhões em benefícios todos os anos. Temos um sistema sólido de governança. Tanto é que estamos superando a pandemia sem nenhum problema grave, sem descontinuidade. Aliás, conseguimos fechar o ano de 2020, que foi um período difícil, mesmo assim fechamos com superávit agregado. Nosso sistema conta ainda com alguns planos de benefício definido, mas praticamente todos estão fechados. Lidamos então, já há alguns anos, com planos de contribuição definida, que não geram déficit para os patrocinadores. Esse é outro argumento contra a fiscalização do TCU. O risco de déficit é cada vez menor”.

Ações no STF

“A Abrapp e o Sindapp entraram recentemente com duas ações no STF [uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e um mandado de segurança, respectivamente] para questionar a competência do TCU em fiscalizar o sistema. Ainda não tivemos uma resposta. Entendemos que a pandemia gerou uma sobrecarga ao STF, que estava funcionando virtualmente. Agora o Supremo está voltando ao trabalho presencial. Acredito que agora haverá um posicionamento. Estou bastante esperançoso que teremos uma decisão positiva”.

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