Entrevista: Taxa de reposição está em queda no Brasil e deve chegar a 60%

Com base em uma análise de dados da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – é possível traçar a tendência de queda na taxa de reposição previdenciária no Brasil. Foi isso o que fez Arnaldo Barbosa de Lima Junior, Economista e RI da Polo Capital, que mostra a tendência de queda da taxa de reposição e as consequências para o crescimento da Previdência Complementar no país. 

Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, o especialista apresenta os dados e análises que apontam a necessidade de fortalecimento de ações de educação financeira e previdenciária no Brasil. “A conscientização da população que os regimes de previdência públicos são uma condição necessária mas não suficiente para alcançar a segurança financeira no futuro é o maior impulsionador do crescimento da previdência privada, demonstrando-se como o resultado concreto do aumento da educação financeira e previdenciária da nossa sociedade, o que pode ser fomentado pelo próprio governo”, diz Arnaldo Lima em trecho da entrevista. Leia na íntegra a seguir:

Blog Abrapp em Foco: Qual é o nível atual da taxa de reposição previdenciária do Brasil? Poderia analisar esse nível do mercado brasileiro em comparação com outros países?

Arnaldo Lima: A taxa de reposição bruta no Brasil atualmente está em 88,4%, segundo a metodologia da OCDE, que leva em conta o caso hipotético de um trabalhador que entra no mercado de trabalho aos 22 anos e contribui para a previdência social de forma ininterrupta até se aposentar aos 65 anos, no caso dos homens.  Naturalmente, a taxa efetiva é individual e considera o caso concreto de cada contribuinte, sendo que o resultado tende a ser bem menor do que a taxa bruta, especialmente porque uma grande parte da população tende a não conseguir completar os 40 anos de contribuição para fazer jus a 100% do valor do salário de benefício. Logicamente, os trabalhadores que contribuem sobre o salário mínimo terão uma taxa de reposição maior do que 100%, pois receberão um valor de aposentadoria maior do que contribuíram, haja vista a regra de salário mínimo vigente e a vinculação do piso trabalhista ao previdenciário.

Blog: Qual é a perspectiva da taxa de reposição no Brasil após a Reforma da Previdência? Como isso pode afetar na procura de planos de Previdência Complementar?

Arnaldo Lima: Ressalta-se que antes da Reforma eram considerados os 80% maiores salários de contribuição e existia a aposentadoria por tempo de contribuição que paga cerca de 2 vezes o valor do benefício das aposentadorias por idade. Ou seja, a tendência é que, passado o período das regras de transição estabelecidas pela Reforma, a taxa de reposição efetiva no Brasil caia ano após ano, aproximando-se dos 60%, novamente, para quem ganha acima do salário mínimo. A título de ilustração, a média dos países desenvolvidos (OCDE) está atualmente em 50,7%, Reino Unido (41,9%), Estados Unidos (39,1%), Canadá (36,8%). 

A acumulação em ativos previdenciários em diversos países é maior do que no Brasil, em grande medida, porque o incentivo a poupar nestes países é maior, haja vista a menor taxa de reposição, que é uma proxy para as regras de cálculo dos benefícios previdenciários. Com efeito, a tendência é que a sociedade brasileira comece a acumular mais recursos em fundos de investimentos e em previdência. Atualmente, os ativos da previdência aberta e fechada no Brasil somam 26% do PIB enquanto a média da OCDE é de 49,3%, Chile 57,7%, Reino Unido 85,2%, EUA 137,5%.

Blog: O estudo mostra também a concentração da poupança previdenciária em ativos de renda fixa? Como está o atual nível de concentração em renda fixa? E em outras classes? Poderia comparar com outros mercados?

Arnaldo Lima: O Brasil aloca 73,9% de todos os ativos previdenciários em renda fixa, 16,5% em renda variável e 9,6% nas demais classes de ativos. Quando comparados com os países da OCDE, ficamos atrás somente da Rep. Checa (81,8%) no quesito concentração de ativos em renda fixa. A título de outros exemplos, os Estados Unidos concentram apenas 19%, Canadá (26,9%), Coreia do Sul (36,2%), Reino Unido (40,4%) e Alemanha (43,5%) dos seus recursos previdenciários em renda fixa.

Blog: Por que isso acontece no Brasil (alta concentração em renda fixa)? 

Arnaldo Lima: A alta concentração em ativos de renda fixa no Brasil decorre da elevada taxa de juros real, que é o grande farol para a estratégia de investimentos dos gestores de ativos, que, por definição, têm um olhar focado no longo prazo. Olhando prospectivamente, os investidores monitoram a taxa de juros real esperada, formada pela diferença entre a expectativa dos agentes para a taxa de juros futuro, geralmente medida pela curva Swap Di-Pré 360, e a inflação futura, registrada pela mediana das expectativas do Focus 12 meses à frente. Esse é um indicador relevante para decisões de alocação, haja vista que os gestores comparam a expectativa de retorno do investimento com o retorno esperado em títulos públicos (ativo sem risco). Ressalta-se que a taxa de juros real esperada está acima de 6%, o que enseja uma tendência dos gestores de ativos alocarem mais recursos em renda fixa no curto prazo.

Blog: Quais são as perspectivas em relação à diversificação dos ativos da Previdência Complementar?

Arnaldo Lima: Como sabemos, a economia é a ciência das expectativas, de forma que, se continuarmos aprovando reformas estruturais, como foi a reforma da previdência, será uma questão de tempo para reconquistarmos o título de investment grade e, por consequência, taxas de juros reais cada vez menores, o que levará os investidores institucionais a alocarem maior percentual da sua carteira em renda variável, como nos Estados Unidos, onde tal percentual é de 36,7% do total.

De forma complementar, se os investidores tiverem uma maior previsibilidade dos seus investimentos por acreditarem que terão uma inflação comportada por um período longo, a diversificação de produtos financeiros aumentará substancialmente, haja vista que os poupadores exigirão dos gestores uma maior rentabilidade dos seus investimentos para terem uma taxa de reposição adequada, sabendo que a previdência privada complementa a pública.

Blog: O único caminho para incentivar o crescimento da previdência privada é uma redução da taxa de reposição? O que mais precisa ser feito e qual a importância disso?

Arnaldo Lima: A conscientização da população que os regimes de previdência públicos são uma condição necessária mas não suficiente para alcançar a segurança financeira no futuro é o maior impulsionador do crescimento da previdência privada, demonstrando-se como o resultado concreto do aumento da educação financeira e previdenciária da nossa sociedade, o que pode ser fomentado pelo próprio governo. Adicionalmente, existem várias outras medidas que podem ser fomentadas pelo setor público para aumentar a poupança previdenciária, que por consequência, tende a contribuir para o crescimento da economia de forma sustentada.

A primeira delas é permitir que os trabalhadores celetistas usem os seus recursos do FGTS para aplicar em fundos de investimento e em previdência privada, o que de certa forma, foi feito timidamente quando foi permitida a compra de ações da Vale, Petrobrás e Eletrobrás com recursos do Fundo. Outra medida importante é deixar claro que a contribuição paritária do empregador, seja ele um ente federativo ou uma empresa, para a poupança do seu empregado não se restringe somente aqueles que ganham acima do teto do INSS. Alterar a lei do Programa Empresa Cidadã beneficiando as empresas que oferecem previdência privada para os seus trabalhadores parece ser um bom caminho, assim como medidas que permitissem o pagamento de participação de lucros e resultados diretamente nos planos previdenciários dos colaboradores. Os próprios sindicatos deveriam fomentar tais ações nos acordos e convenções coletivas. Adicionalmente, os planos previdenciários privados devem oferecer produtos mais inovadores, planos personalizados e investimentos sustentáveis, atendendo às diferentes necessidades e perfis de investidores. Por fim, a reforma tributária deve trazer mais segurança jurídica para os poupadores, mas poderia ser mais inovadora, como foi na questão do cashback. 

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