Especialistas defendem aprimoramento da Reforma Tributária em plenária do 16º ENAPC

Tema que ganhou prioridade máxima nas últimas semanas e exigiu empenho e união das autoridades do sistema, a Reforma Tributária foi discutida na última Plenária do 16º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC) na sexta-feria, dia 13 de agosto. Composta por especialistas renomados e conhecedores do assunto, o painel debateu os efeitos do Projeto de Lei nº 2337/2021 para a Previdência Complementar e para a economia do país. Além disso, foi feita uma avaliação dos principais aspectos da Reforma Tributária, seus princípios e o conteúdo em discussão.

Maria Inês Murgel, Sócia Diretora do escritório JCM Advogados, presidiu a Plenária e destacou que o tema merece atenção, pois em sua primeira formatação teve pontos que atingiram diretamente as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), destacando o trabalho da Abrapp no sentido de que a Reforma afete o mínimo possível o sistema.

No sentido de demonstrar os esforços do setor ao longo de décadas para preservar o incentivo à poupança previdenciária, o Superintendente Geral da Abrapp, Devanir Silva, destacou quais são os requisitos tributários básicos para que um sistema de Previdência Privada prospere no país, entre eles o diferimento da tributação na fase de contribuição, distribuindo ao longo do tempo a carga tributária.

Na apresentação, Devanir ressaltou a importância de uma homogeneidade em que todas as empresas e beneficiárias da previdência privada tenham o mesmo tipo de tratamento, o que não ocorre atualmente. Ele pontuou ainda que o objetivo de dar incentivos é aumentar a permanência de participantes no sistema, além de estimular a portabilidade, garantindo a continuidade da formação de poupança de longo prazo.

Diante dessa exposição, Devanir reforçou que em 2004, a Lei nº 11.053 estabeleceu definitivamente o diferimento tributário das contribuições previdenciárias a partir de uma construção realizada desde a década de 1970. Segundo ele, não se estava criando uma situação de evasão fiscal, e sim uma formação estável para um fim específico e social. “Nós lutamos para que essa Lei seja preservada. Foi uma grande construção, e após argumentações, mostramos que tínhamos algo que o mundo pratica, esse diferimento onde se privilegiava a formação de uma poupança e que tinha como princípio a renúncia ao consumo”, destacou.

Ele destacou o empenho da Abrapp, em nome do Diretor Presidente Luís Ricardo Martins, e a interlocução com o Secretários de Adolfo Sachsida e Bruno Bianco, agora Ministro da Advocacia-Geral da União, além do Subsecretário do Regime de Previdência Complementar, Paulo Valle, e do Diretor Superintendente da Previc, Lucio Capelletto, entre outros, para que houvesse um projeto que contemplasse o manutenção desse diferimento tributário para os planos de benefícios das EFPC, o que foi conquistado a partir do Substitutivo do PL nº 2337/2021.

Outra grande luta em relação ao aperfeiçoamento do projeto esteve na questão dos dividendos, sendo que a partir de janeiro de 2022 haverá tributação, mas a incidência do imposto de renda na fonte não incorrerá nas entidades, proporcionando uma vitória para o segmento após grandes discussões, pontuou Devanir Silva.

O Superintende Geral da Abrapp destacou que o Substitutivo do PL nº 2337/2021 traz uma autorização para a declaração simplificada ocorra apenas para rendimentos anuais até R$ 40 mil, o que poderia acarretar em aumento na procura por investimentos dedutíveis, podendo trazer oportunidade de mais participantes aos planos do segmento.

Ele reforçou que caso o projeto original não fosse revertido, o efeito da tributação em cima da rentabilidade dos investimentos das EFPC, com base nas reservas de dezembro de 2019 das entidades, seria de uma redução em 1,18%, o que faria com que o superávit líquido de R$ 7,60 bilhões apresentado na época fosse revertido para um déficit de R$ 3,6 bilhões. “Ou seja, o participante teria que arcar, muito provavelmente, com o equacionamento de déficit, além de não ter o tratamento tributário adequado”, pontuou Devanir.

O Superintendente Geral da Abrapp reforçou que a proposta original seria um duro golpe sobre o já difícil processo brasileiro de formação interna de poupança. “Temos uma cultura de poupança baixa, e isso agravaria o problema”, disse. “Temos procurado trabalhar no sentido de manter essa poupança estável, protegendo o maior número de brasileiros”, complementou Devanir.

Impactos sobre a economia – “Em time que está ganhando não se mexe”, disse José Roberto Rodrigues Afonso, economista e autor do estudo base Lei de Proteção ao Poupador Previdenciário (LPPP), ressaltando que não faz sentido a promoção de uma mudança de algo que constitui um caso de sucesso.

Ele ressaltou o aumento recente na poupança das famílias brasileiras a partir da pandemia, mostrando que isso ocorreu no Brasil e no resto do mundo. “Nunca se poupou tanto”, pontuou, reiterando que apesar de ser considerada uma poupança do medo, ela pode ser convertida em investimentos. Para o economista, o projeto de Reforma Tributária vai na contramão do estímulo à poupança.

Em uma apresentação sobre a evolução histórica de arrecadação de tributos, José Roberto Afonso apontou que o imposto de renda brasileiro é eletrônico, modernizado, tendo uma das maiores alíquotas nominais do mundo, mas lamentou a perda de oportunidade de se discutir, nesse projeto, temas importantes como a previdência.

Segundo ele, a proposta de Reforma Tributária não é neutra, sendo um conjunto amontoado de medidas que não trazem simplificação e criam parâmetros contra o investidor estrangeiro, contra o ativo intangível e contra a alocação direta de recursos, criticando ainda a falta de estudo e de análise de números para que se faça uma proposta mais consistente. “O mundo inteiro está dando incentivo para investimento e nós estamos adotando medidas na direção oposta. Isso não é uma Reforma, isso é uma deformação tributária. Mais do que perder a oportunidade de reverter poupança em investimento, estamos regredindo em um sistema que funcionava bem”, disse José Roberto.

Especialistas criticam o projeto – Atuando diretamente com a matéria tributária há 49 anos, Everardo Maciel, Consultor Tributário e Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, destacou que nunca havia se deparado, até então, com um quadro como o atual. Tendo atuado como secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002, ele contou o histórico do sistema tributário brasileiro e a escolha técnica de tributação feita ao longo do tempo. “Passamos 70 anos tributando lucro de dividendos, e isso foi mal-sucedido”, disse. “Trazer de volta a tributação de dividendos é um convite à sonegação fiscal”, reiterou. Segundo ele, a tributação de dividendos torna a arrecadação vulnerável a fatores exógenos, restringindo a liberdade econômica.

Analisando um período entre 1996 e 2002, Everardo pontuou que a arrecadação via IRPJ aumentou em 50% sua participação no PIB. “Quando entrei na Receita, os dividendos eram tributados, mas a arrecadação não existia, era pífia”, disse. Ele discorreu ainda sobre lucro real versus presumido, pontuando que no segundo não há litígio, fazendo uma exposição embasada em sua experiência e conhecimento sobre o tema, argumentando sobre a inexplicabilidade para que haja a tributação de dividendos.

Everardo chamou atenção ainda para o fato de que é preciso pensar no conjunto todo do projeto a partir do princípio da solidariedade e do entendimento do benefício de uma Reforma Tributária sobre uma ótica geral. “Esse projeto é um inapropriado discernimento técnico, com repercussões muito ruins para o país”.

O debatedor Flavio Martins Rodrigues, Sócio Sênior do escritório Bocater Advogados, pontou que a proposta de Reforma Tributária tem uma ausência de reais objetivos de Estado. “Não se consegue entender onde se quer chegar”, disse, destacando que a tributação de dividendos não condiz com um discurso de um governo que se diz liberal. “Tributar aquele que empresta seu capital para o risco, que é o acionista, é um nonsense completo que estaria atropelando a poupança nacional de longo prazo”, destacou.

Também presente na Plenária, o Deputado Federal Christino Áureo apresentou sua concordância com as abordagens feitas pelos demais palestrantes, reiterando que quando se faz um movimento de Reforma no país, os pilares relacionados ao rumo que ela deveria ter deveriam estar claros, o que, na sua visão, não é o caso da Reforma Tributária em questão. “Nesse emaranhado, e considerando que se tem um tempo curto para análise da matéria, o aprimoramento necessário é o primeiro fator que desaparece”, disse, destacando que as versões dos projetos apresentados são contraditórias entre si, o que gera risco.

Segundo ele, ainda que se tenha evitado que no relatório atual do projeto estivesse presente a questão dos dividendos para as EFPC, o relator ainda assim sofre pressões para aprovar uma matéria que está pouco embasada, no geral. “Temos agenda defensiva nos sentindo de evitar que essas anomalias nos atinjam, mas é o momento de tratar de pontos como a permissão para que as contribuições extraordinárias tenham deduções de imposto”, argumentou.

O Deputado reiterou que esse é um tema que pode ser contemplado na agenda propositiva de correções do projeto, além da retirada da obrigatoriedade do participante em decidir, no início da sua vida laboral, sobre um modelo de tributação que só vai se concretizar no fim da vida laboral. “O objetivo é retirar as distorções existentes no regime de Previdência Complementar Fechada”, acrescentou.

Ele também criticou com veemência a motivação da Reforma Tributária nos moldes apresentados, reiterando que as medidas são desfavoráveis à sociedade. “Um acordo é possível, desde que haja honestidade, clareza e transparência do que se está pretendendo. Os adiamentos e mudanças de versões evidenciam uma dificuldade prática na tramitação”, reiterou o Deputado Christino Áureo, reforçando que é preciso ter uma simplificação grande e uma clareza sobre os objetivos macros do projeto, com cálculos de impactos legítimos. Segundo ele, uma parcela razoável do Congresso Nacional vem tentando mostrar que é preciso de um debate mais aprofundado.

O 16º ENAPC foi uma realização da Abrapp, com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Patrocínio Ouro: Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados; Junqueira de Carvalho e Murgel Advogados Associados; Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, MMLC Advogados Associados; e Tôrres, Corrêa, Oliveira Advocacia. Patrocínio Prata: Bothomé Advogados. Patrocínio Bronze: Atlântida Perícias e Santos Bevilaqua Advogados.

Shares
Share This
Rolar para cima