Exame: Previdência complementar e a “Gig Economy” – por Jarbas Antonio de Biagi*

Jarbas Antonio de Biagi

A crescente influência da “Gig Economy”, como se denomina a prestação de serviços de forma autônoma no mercado de trabalho, tem provocado uma discussão acalorada sobre a necessidade de modernizar as políticas de proteção social, em particular no que diz respeito à inclusão dos trabalhadores por aplicativos na Previdência Social. Sob a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo expressou seu compromisso em abordar essa questão de forma prioritária.

É nesse ponto que a previdência complementar fechada pode, mais uma vez, ajudar na solução do problema. A “Gig Economy’ representa uma mudança significativa no paradigma tradicional do trabalho, caracterizando-se pela prestação de serviços sob demanda de forma autônoma ou freelancer. A explosão do número de trabalhadores envolvidos nesse modelo durante a pandemia evidencia a necessidade urgente de adaptação das políticas trabalhistas e previdenciárias para essa nova realidade.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Abimotec), que reúne as plataformas 99, iFood, Uber e Zé Delivery, o contingente de trabalhadores por aplicativos no Brasil já ultrapassa 1,6 milhão de pessoas, englobando tanto motoristas quanto entregadores. Esse número expressivo reflete a magnitude do fenômeno e a urgência de ações concretas para proteger esses trabalhadores.

A Abimotec propõe uma inclusão eficiente e desburocratizada desses trabalhadores no sistema público de previdência, garantindo-lhes cobertura para doenças, acidentes e aposentadoria por idade. Além disso, sugere que as plataformas assumam uma responsabilidade compartilhada, contribuindo para a previdência social e facilitando o acesso dos trabalhadores aos benefícios. Essa abordagem equitativa busca conciliar as necessidades dos trabalhadores com as demandas das empresas.

O Uber, uma das principais plataformas de mobilidade, endossa essa abordagem e propõe uma regulação que promova a inclusão dos motoristas de aplicativos na Previdência Social, com as plataformas facilitando a inscrição e contribuindo financeiramente de acordo com os ganhos de cada parceiro. Os números divulgados pela Uber destacam o impacto positivo que a plataforma tem na economia brasileira, enfatizando sua contribuição significativa para o PIB e para o bem-estar financeiro dos motoristas parceiros.

No entanto, surgem preocupações em relação à proposta de contribuição previdenciária de 7,5% sobre os ganhos dos trabalhadores por aplicativos. Muitos argumentam que essa medida retira a autonomia dos trabalhadores sobre suas contribuições e prefeririam optar pelo modelo simplificado do Microempreendedor Individual (MEI), que oferece uma estrutura mais flexível e proteção para os trabalhadores e suas famílias.

É extremamente necessário que todas as partes interessadas – trabalhadores, plataformas e governo – sejam ouvidas nesse processo. O sistema previdenciário público enfrenta desafios significativos, incluindo um déficit crescente que ameaça a sustentabilidade das aposentadorias no futuro. Portanto, é essencial desenvolver um modelo de arrecadação previdenciária que atenda às necessidades imediatas dos trabalhadores e também garanta uma reserva adequada para o futuro. A previdência complementar pode desempenhar um papel fundamental nesse sentido, oferecendo uma rede de segurança adicional para os trabalhadores.

Temos no país alguns modelos de classes profissionais que adotaram com sucesso a previdência complementar, como médicos e advogados. Como exemplo temos os planos instituídos e setoriais, adotados por associações, por sindicatos, por entidades de classe e por cooperativas na previdência complementar. Os planos instituídos são mais flexíveis, sem perder a característica de plano previdenciário, permitindo ao associado, por exemplo, inscrever cônjuge, filhos e dependentes; escolher a periodicidade das contribuições e fazer resgates intermediários, para objetivos definidos. Tais condições estão mais alinhadas ao perfil desse novo trabalhador, que chega ao mercado de trabalho.

É necessário relembrar também que a adaptação da Previdência Social à “Gig Economy” não é apenas uma questão de justiça social, mas também de pragmatismo econômico. Ao garantir a proteção adequada para os trabalhadores por aplicativos, podemos promover um ambiente de trabalho mais justo e sustentável, ao mesmo tempo em que fortalecemos a base econômica do país. Portanto, é necessário oferecer uma diversidade de produtos e a liberdade de escolha sobre a previdência, para que os trabalhadores possam encontrar o plano que melhor se adeque às suas necessidades e expectativas.

Além disso, é essencial investir em educação previdenciária, fornecendo informações claras e acessíveis sobre os benefícios, direitos e deveres previdenciários. Com uma maior compreensão do sistema previdenciário, os trabalhadores estarão mais bem preparados para tomar decisões informadas sobre sua segurança financeira no futuro.

*Artigo escrito por Jarbas de Biagi é Diretor-Presidente da Abrapp e publicado originalmente no Portal da Exame. 

 

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