Experiência do sistema de Previdência Complementar brasileiro é apresentado no 20º Encontro Anual Global ARC 

Arlete Nese

Doutora pela USP, Mestre pelo Insper e com trabalhos publicados e larga experiência no mercado de entidades fechadas de previdência complementar, Arlete Nese participou de duas mesas redondas do 20º Encontro Anual Global ARC, que foi realizado em Boston nos dias 23, 24 e 25 de outubro. Atuando também como professora e especialista na UniAbrapp, Arlete apresentou a experiência do modelo previdenciário brasileiro, com seus pilares e destaque para a governança fortalecida da Previdência Complementar Fechada.

O evento reuniu uma ampla rede formada pelos principais fundos de previdência, fundos soberanos e gestores de ativos do mundo. Seu foco foi a intersecção de temas relacionados à macroeconomia, aos mercados de capitais e de investimentos alternativos, explica Arlete Nese em entrevista exclusiva para o Blog Abrapp em Foco. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Blog Abrapp em Foco: Como foi a sua participação no Congresso? Em quais mesas redondas? Como surgiu a oportunidade de sua participação?

Arlete Nese: Participei de duas mesas de discussões: a primeira abordou a criação de melhores práticas em um modelo de aposentadoria adequado aos objetivos de renda de seus participantes. No caso, um modelo capaz de preparar executivos em fundos de pensão na busca do melhor desempenho dos planos sob a sua gestão. A segunda levantou a perspectiva dos consultores de investimentos presentes sobre os investimentos alternativos, frente ao desafio de obter retorno e garantir liquidez no contexto macroeconômico atual. A oportunidade da participação surgiu da experiência profissional em investimentos na previdência complementar; da pesquisa sobre a governança em fundos de pensão no Brasil e no mundo e trabalhos publicados na área.

 

Blog: Comente sobre o tema da mesa redonda sobre a cobertura dos planos de benefícios? Qual o principal destaque dos debates desta mesa?

Arlete: Na primeira mesa de discussão, abordamos sobre a adequação da cobertura dos atuais modelos de aposentadoria nos diferentes países. Havia representantes do Brasil, tanto na mesa quanto na audiência, da Indonésia, Holanda, Reino Unido, Canadá e EUA.  O ponto alto aconteceu quando a panelista, Professora Teresa Ghilarducci  – pesquisadora na área de  “retirement security”, trouxe questões específicas dos países, como por exemplo, o processo de migração de BD para CD na Holanda. Ao abordar o modelo brasileiro em conjunto com o da Indonésia,  levantou a questão da integridade dos sistemas. Esse foi a principal momento de contribuir na mesa discussão. Tive a oportunidade de explicar sobre a amplitude da cobertura do sistema de seguridade do Brasil, por meio de seus pilares, sistemas de financiamento.  Especificamente da previdência complementar fechada, destaquei a integridade provada pela governança fortalecida, gestão profissional requerida em lei, pelo tamanho do segmento e por décadas de pagamento de benefícios a milhares de participantes.

 

Blog: Poderia comentar sobre a mesa redonda sobre investimentos alternativos?

Arlete: Na segunda mesa de discussão, não havia outros brasileiros além de mim, e os demais países representados eram do Japão, Malásia, Reino Unido e EUA. Tratamos das oportunidades de investimentos alternativos como dívidas estruturadas, “hedge funds”,  “Real Estate” e “private equity”, frente ao atual contexto de juros e inflação altos no mundo. A grande questão girou em torno do tema sobre como garantir a liquidez e retornos necessários aos planos de benefícios no contexto de alta volatilidade dos mercados, e incertezas provocadas pela atual crise geopolítica.

 

Blog: Quais os destaques do debate sobre investimentos alternativos?

Arlete: Houve dois pontos altos. Resumidamente, o primeiro trouxe a retomada da renda fixa indexada à inflação, como conseguir.  Nesse momento, foi possível explicar como os títulos públicos brasileiros, indexados à inflação, conseguem oferecer juros reais compatíveis com as metas de retorno/atuariais dos planos, e adequados às diferentes “durations” dos planos, e os desafios aos investidores quando as taxas de juros desses papeis são reduzidas.  O segundo girou em torno das oportunidades de dívidas estruturadas e alternativas em ativos reais. A retomada da atenção ao Brasil surgiu quando destaquei as oportunidades gigantes de investimentos em infraestrutura no país. Como exemplo, as diferentes fontes de energia renovável, das eólicas, às centrais hidrelétricas; construção de estradas, portos; desenvolvimentos no setor imobiliário; investimentos em florestas etc.

Blog: Outros palestrantes e participantes do evento demonstraram interesse em conhecer melhor a realidade do mercado brasileiro? Poderia comentar?

Arlete: Sim, nas duas mesas de discussão, durante as apresentações e, especificamente, ao fim de cada rodadas, fui procurada por algumas pessoas. Na primeira, a painelista Professora Ghilarducci manifestou forte interesse em entender melhor o sistema de seguridade do brasileiro. Ela conhecia bem países do Caribe e alguns da América do Sul, mas muito pouco sobre o modelo do Brasil. Ela disse que seu objetivo é aprofundar sobre como a legislação no país e as práticas de governança da previdência complementar têm garantido uma aposentadoria adequada a seus participantes. Na segunda mesa, a CIO de um fundo do Japão pediu para ter mais informações sobre as oportunidades de investimentos em infraestrutura no Brasil e os desafios no processo de seleção de gestores especializados nesses ativos no país.

 

Blog: Quais os outros aspectos de destaque do Congresso como um todo?

Arlete: Vale mencionar que a inflação e os juros altos, que impõem uma capacidade de gestão diferenciada nos países, foram temas recorrentes nos três dias do evento e por diferentes acadêmicos e profissionais da indústria de investimentos. Num dos estudos apresentados, o desafio se eleva quando as crises surgem, pois alteram as correlações entre ativos de forma inesperada e, portanto, o resultado esperado por meio da diversificação. Contudo, os retornos precisam ser alcançados pelos fundos de pensão aos planos e a liquidez garantida a seus participantes. Outro ponto que observo, ou melhor, que na minha opinião merecia aprofundamento, foi o papel dos fundos de pensão nas decisões de investimento, diante dos impactos sociais e econômicos decorrentes das mudanças climáticas. Infelizmente, as abordagens ainda se limitaram a lançar luz aos critérios a serem observados nos investimentos sobre questões ESG, ainda distante do papel de investidor institucional comprometido com a sustentabilidade. Fato é que a primeira palestra do evento, com o Professor Mark Blyth, lançou luz para os próximos dois anos como os mais importantes e disruptivos para investidores de longo prazo como jamais se viu. Vale a reflexão.

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