Marcação a mercado de títulos públicos nos planos das EFPC volta ao debate

Mais de dois anos depois da entrada em vigor da Resolução CNPC 37, em setembro de 2020, que determina a marcação a mercado de títulos públicos para os planos de EFPC, chega o momento de avaliação de seus efeitos práticos sobre o sistema. A intenção, inclusive, foi anunciada como uma das prioridades da agenda do novo Secretário de Regimes Próprios e Previdência Complementar, Paulo Roberto dos Santos Pinto, em entrevista recente ao Abrapp em Foco.

A revisão da regra é uma demanda do setor, segundo Édner Bittencourt Castilho, Secretário Executivo do Colégio de Coordenadores de Investimentos da Abrapp. Ele avalia que a marcação a mercado de títulos de crédito privado, pela Resolução CNPC 37, foi bastante positiva. Por outro lado, as regras relativas à marcação a mercado de títulos públicos federais causam controvérsias. A regra estabelece que apenas os planos BD podem ter títulos públicos marcados na curva, desde que tenham sido adquiridos com vencimento superior a cinco anos. Títulos que já estão na carteira, marcados na curva, podem permanecer assim até seu vencimento*.

“Se uma determinada entidade quiser comprar um título de vencimento de três anos para casar o ativo com o passivo, tem de marcar a mercado e isso é uma queixa, pois entende-se que não seria necessário. Uma demanda é que possam ser marcados na curva os títulos adquiridos com prazos de vencimento inferiores a cinco anos nos planos BD”, afirma Castilho.

Além disso, a Resolução estabelece que planos CV e CD só podem marcar títulos públicos federais a mercado, o que trouxe forte volatilidade para os resultados das EFPC, e é apontado como o motivo pelo qual muitas não conseguiram cumprir a meta atuarial no último ano. Dados da Consultoria Aditus mostram que em 2022, 80% dos Planos CV e 77% dos Planos CD não superaram suas metas atuariais, impactados pela performance da marcação a mercado dos Títulos Públicos (NTN-B).

Maior volatilidade, menor poder de compra

O efeito prático para os participantes desses planos que estão na fase de benefícios se refletiu na atualização menor da remuneração, que seguiu o resultado financeiro abaixo da meta atuarial, afetando o poder de compra. Além disso, para os que estão em fase de acumulação, o efeito foi a percepção e os frequentes questionamentos de que seus investimentos estão tendo prejuízo. É um público que fica estimulado, inclusive, a reduzir as contribuições aos planos, segundo Sérgio Brito Clark, diretor de Administração e de Investimentos da CAPEF.

Segundo ele, a consequência da marcação a mercado obrigatória nos planos CD e CV foi refletir a alta volatilidade na curva de juros nos anos de 2021 e 2022. “Em 2021 a NTNB 2050, uma das mais negociadas no mercado secundário, teve variação negativa em -10,96% e, em 2022, foi de -3,26%. A volatilidade histórica de 10 dias do papel chegou a bater 28,27% em 05/12/2022. Mesmo observando-se janelas mais longas de volatilidade, como a de 21 dias, esta registrou 25,64% em janeiro. Apenas para ter como referência, a volatilidade de 21 dias do Ibovespa em março era de 17,69%, portanto bem menor do que a da NTN-B 2050“, comparou.

Regras de mercado e transferência de riqueza

A mudança trazida pela Resolução buscou equiparar os planos CD e CV aos produtos da previdência aberta e mesmo a outros investimentos do mercado financeiro, já que a atualização diária do valor dos ativos evita com que haja a transferência de riqueza, ou seja, o resgate a um valor maior do que de fato vale ou valerá.

“A eliminação da transferência de renda é importante, porque os participantes entram em planos em momentos diferentes e isso acaba acontecendo. No entanto, a consequência da regra para evitar esse tipo de transferência foi um aumento de volatilidade, e desincentivo para gestores comprarem títulos de longo prazo”, afirma Castilho, que diz que a Abrapp deve participar ativamente de discussões sobre o tema.

Clark, da CAPEF, diz que as estatísticas mostram que o efeito da transferência de riqueza seria muito pequeno no universo das EFPC, devido às barreiras de saída dos planos. Ele cita o Relatório Gerencial de Previdência Complementar da Secretaria de Previdência de setembro de 2022, que mostra que do total de valores regatados do Sistema de Previdência Complementar, 95% ocorreram nas entidades abertas, no valor de R$ 119,4 bilhões.

“As EFPC responderam por 5% dos resgates totais do sistema, no valor de R$ 5,2 bilhões. E isso ocorreu porque não há entrada e saída livre de recursos dos participantes dos planos. Uma vez que o participante adere a um determinado plano de benefícios, faz aportes e o acesso a esses recursos se dá de forma restrita. Se sair do plano, o retorno a este é uma exceção. Há todo um arcabouço normativo e regulatório que impele os participantes a se manter no plano por longo prazo, até a formação de uma poupança previdenciária que possa ser usufruída após a fase laboral deste participante”, explica.

Segundo Clark, a saída prematura dos planos é bastante onerosa para o participante, visto que as reservas sofrem tributação, dependendo do regime escolhido e do prazo desde o investimento, de até 30% dos recursos aportados mais rendimentos, e o acesso integral aos recursos, muitas vezes, só é possível em caso de desligamento do patrocinador do plano.

Para o diretor da CAPEF, a proposta da Resolução foi buscar um alinhamento com práticas adotadas no mercado financeiro, e nesse sentido, lembra que no setor bancário os títulos e valores mobiliários podem ser marcados a mercado e na curva, segundo a Circular nº 3.068/2001 do Banco Central do Brasil (BCB). “A escolha da classificação é ato de gestão da instituição financeira devendo, no entanto, ter a intenção e a capacidade financeira da instituição de mantê-los em carteira até o vencimento. A definição entre uma classificação e outra observa a liquidez e a estratégia de gestão de ativos e passivos (ALM) da instituição financeira. Os bancos, que são uma das classes de instituições detentoras das maiores reservas de ativos do Sistema Financeiro Nacional, não tem, por regra, passivos de longuíssimo prazo, nem regras que restringem os pedidos de resgates, podem marcar seus títulos pela curva conforme sua estratégia”, compara.

*Atualizado com correções em 06/04/2023.
Shares
Share This
Rolar para cima