O futuro do trabalho chegou e as EFPC devem se conectar aos novos participantes

O futuro do trabalho, conhecido como o Trabalho 5.0, deixou de ser o vislumbre do que está por vir e é uma realidade na sociedade. A transformação acelerada do modelo tradicional de empregado do regime CLT para o trabalhador de aplicativos ou por meio de outros arranjos, digitais ou não, é uma disrupção que exigirá das entidades de previdência complementar uma nova postura. Essa é a opinião de Carolina Tupinambá, Advogada e Professora da UERJ, que abordou o tema durante um dos painéis do 18º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC).

A pesquisa da professora trata dos fatores disruptivos no trabalho, em especial a tecnologia e a globalização, e como esses elementos estão causando grandes mudanças no mundo do trabalho. “No Trabalho 5.0 um dos principais pontos que destaco é a transformação na identidade dos trabalhadores, que não se limita mais à tradicional dicotomia entre empregado e empregador. Agora, eles podem estar envolvidos em uma variedade de arranjos contratuais”, afirma.

Esses arranjos, segundo a apresentação dela, são diversos e classificados pela lista: trabalhador “pejotizado,” terceirizado, prestador de serviços autônomos, que desempenhe serviços por meio de plataformas digitais, estagiários, representantes comerciais, profissionais liberais, transportador autônomo de cargas, profissional-parceiro em salão, trabalhador eventual, avulso, voluntário, imigrante, cooperado e temporário.

Na entrevista a seguir, Carolina Tupinambá aborda como o Trabalho 5.0 tem sido abordado no sistema jurídico e a necessidade de políticas públicas, para que os trabalhadores possam ser reconhecidos e incorporados ao universo de participantes da previdência complementar.

Abrapp em Foco – Quais são os principais desafios dos novos arranjos de trabalho?

Carolina Tupinambá – Existem perfis de trabalhadores reconhecidos legalmente, com regulamentações específicas, enquanto outros ainda carecem de reconhecimento legal e normatização. Esse é um desafio. O outro é a localização dos trabalhadores, que é um aspecto importante, pois o trabalho agora pode ser realizado em diversos lugares, como em casa, na praia, dentro da empresa ou em um escritório. Isso gera desafios significativos em relação à competência da Justiça do Trabalho para resolver conflitos, bem como em relação a questões de saúde e de segurança ocupacional. Portanto, é preciso compreender quem são esses trabalhadores, onde estão e como se relacionam, inclusive entre eles, já que observamos uma estrutura sindical que não consegue viabilizar mais a aglutinação de categorias.

 

Abrapp em Foco E como a Justiça do Trabalho tem lidado com esses desafios?

Carolina Tupinambá – O que temos no Direito é uma normatização que protege e é extremamente excludente. Ela protege o modo atual como fazia no modo anterior, considerando a relação entre empregado e empregador. Assim, todos os outros arranjos ficam sem proteção. Por isso, esses trabalhadores agora recorrem a uma variedade de métodos para buscar a proteção de seus direitos, que vão além do tradicional sistema judicial. A negociação coletiva e a flexibilização das leis trabalhistas estão se tornando mais comuns. A representação sindical também está passando por mudanças, já que as estruturas sindicais tradicionais muitas vezes não conseguem mais representar efetivamente esses novos grupos de trabalhadores.

 

Abrapp em Foco – Como você avalia o papel da Previdência Social nesse contexto?

Carolina Tupinambá – A Previdência Social desempenha um papel crucial nesse cenário em evolução. Atualmente, muitos trabalhadores não têm acesso adequado à Previdência Social devido à natureza fluida e informal de seus empregos. Isso se reflete na categoria de segurado facultativo que, diante da falta de cultura previdenciária, não gera a adesão necessária. Garantir proteção social, direitos mínimos e condições de trabalho decentes é essencial, incluindo questões como jornada mínima e salário mínimo. Esses conceitos ficam à espera de um posicionamento jurídico que possa incluí-los no novo formato.

 

Abrapp em Foco – Com o avanço da Inteligência Artificial, se torna mais urgente a adaptação e o reconhecimento dessas mudanças?

Carolina Tupinambá – Com certeza, o avanço da Inteligência Artificial acrescenta uma camada de complexidade a essa situação. Também devemos considerar que muitas pessoas altamente qualificadas não estão mais a serviço do trabalho e sim em busca de realização pessoal. Estão conscientes de que o trabalho que era feito outrora, hoje é produzido por máquina. Isso cria um sujeito desalentado no mercado de trabalho, que nem busca mais emprego porque sabe que o direito dele foi superado pela máquina. É essencial abordar a questão do desemprego causado pela automação e encontrar maneiras de fornecer segurança jurídica e renda mínima para essas pessoas.

 

Abrapp em Foco – Esse cenário que descreve está distante do vislumbrado pelo professor Domenico de Masi, em sua teoria sobre o ócio criativo, no qual as pessoas teriam mais tempo para a criatividade e reduziriam as atividades que as máquinas podem fazer?

Carolina Tupinambá – Sim. O ócio criativo é uma ideia interessante, mas na prática, muitos indivíduos podem não ter nenhum trabalho remunerado a ser feito devido à automação. Portanto, é crucial encontrar soluções para garantir a segurança jurídica e financeira dessas pessoas. Alguns autores são mais catastróficos, outros tentam acomodar melhor o conceito de ócio criativo, e há os que defendem soluções previdenciárias de renda mínima.

 

Abrapp em Foco – Tanto na visão dos otimistas como na dos pessimistas há em comum a necessidade de programas de renda mínima para acomodar esse novo cenário?

Carolina Tupinambá – Sim, é a solução que tem ganhado mais plateia. Em alguns países da Europa já houve algum avanço sobre a tentativa de garantia de renda mínima. A Previdência Social também deve se adaptar a essas mudanças e encontrar maneiras de monitorar e garantir renda para aqueles que não se encaixam mais no modelo tradicional de trabalho. De qualquer forma, o segmento de Previdência Complementar deve entrar nisso. Mas um fator que ganha destaque é o que diz respeito ao monitoramento da renda. Se as entidades ainda não têm mapeado a força de trabalho, não há como alcançar esse cliente. Um desafio que se coloca é como mapear e chegar a esses trabalhadores, como ofertar possibilidade de seguro e previdência.

 

Abrapp em Foco – Como trabalhar com esse público?

Carolina Tupinambá – Então tem algumas soluções e estímulos, como construir sistemas de cashback quando há renda em operação, gerar notificação do que pode gerar ganho previdenciário. Será necessário estimular isso dentro das associações de trabalhadores. Nos sindicatos há o vínculo de emprego, mas nas associações de trabalhadores será preciso ter a possibilidade de fazer a contratação de seguro e de previdência. Outra questão que se coloca na Previdência é o encontro do salário atual com a possibilidade de arquitetar uma renda no futuro. Então, se eu não tenho um mapa dessa renda, se todos são informais, não tenho como ofertar.

 

Abrapp em Foco – Então será preciso avançar em políticas públicas no sentido de reconhecer a nova massa de trabalhadores e investir em educação para preparar as pessoas?

Carolina Tupinambá – Sim, será preciso caracterizar essas pessoas e formalizá-las. É uma medida de Governo que primeiro deve chegar ao Judiciário, para que esses trabalhadores sejam tratados de uma maneira adequada também. A educação desempenha um papel fundamental no preparo das pessoas para as mudanças trazidas pela Inteligência Artificial. Políticas públicas são essenciais para criar um ambiente favorável à adaptação a essas mudanças e garantir que as pessoas estejam preparadas para absorver outras tecnologias disruptivas.

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