Os desafios e as oportunidades trazidas pelo Marco Legal do Saneamento são debatidos em webinar

A importância de se aplicar estratégias bem pensadas voltadas ao crescimento sustentável dos negócios, especialmente em temas que ganham destaque, como o saneamento, foi tema discutido durante o webinar ‘Saneamento e melhores práticas de Governança para atrair as EFPC’, realizado pela Atmosphere Capital, com apoio da Abrapp, nesta sexta-feira, 16 de abril.

A entrada em vigor do novo Marco Legal do Saneamento acende alerta a empresas do setor, ao mesmo tempo em que as melhores práticas de governança podem atrair Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) nessa nova oportunidade que surge a partir da legislação.

O Diretor Presidente da Abrapp, Luís Ricardo Martins, ressaltou o nível de capacitação e profissionalização do sistema de previdência complementar, a partir de uma blindagem que avança com a Autorregulação, e a resiliência apresentada com a recuperação após a pandemia, cumprindo com o pagamento de benefícios e com sua finalidade. “Com a redução da taxa de juros, as entidades vão ter que correr mais risco para bater sua meta atuarial”, disse, pontuando que o Marco Legal do Saneamento vem como uma oportunidade de discussão nesse sentido.

“Nós, investidores institucionais, que procuramos veículos de longo prazo, precisamos do mercado, precisamos de segurança”, reiterou Luís Ricardo, defendendo ainda o uso de Fundos de Investimento em Participações (FIPs) como veículos de longo prazo, destacando que casos pontuais não podem ser utilizados para restringir um produto tão importante para diversificação. Segundo ele, é preciso aperfeiçoar o entendimento sobre esse veículo e criar mecanismos para resgatá-lo, sendo o FIP fundamental para o financiamento de necessidades de infraestrutura do Brasil, em especial, nesse momento de pandemia.

Marco do Saneamento – As oportunidades em investimentos em infraestrutura se desenvolvem no setor de saneamento, cujo tratamento ainda é muito desigual entre as diferentes regiões do país, conforme pontuou a Diretora Executiva da Abrapp, Claudia Trindade, que também é Diretora Presidente da Fundação Sanepar (Fusan).

Ela contou o histórico do financiamento em saneamento no Brasil iniciando com o Planasa, Plano Nacional de Saneamento da década de 1970, gerido pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), mesma época em que as EFPC do setor de saneamento começaram a surgir. O Planasa aplicava recursos em operações de financiamento para implantação ou melhoria de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, incentivando a regionalização da prestação dos serviços, ficando vigente até meados da década de 1980, vindo outros planos posteriores.

“Mais uma vez os investimentos são poucos e os desafios continuam”, disse Claudia, ressaltando que os números dão a dimensão da urgência para resolver a situação do saneamento básico, com 35 milhões de brasileiros sem acesso a água tratada, 100 milhões, ou mais de 47% da população, sem contar com coleta de esgoto, e apenas 46% dos esgotos tratados.

A Lei nº 14.026/2020, aprovada no ano passado e que ficou conhecida como o marco para o setor, estabelece a universalização, ou seja, o acesso aos serviços de saneamento básico para todos os cidadãos, até 2033. O Marco Regulatório levará, contudo, a novos modelos de negócios, como a obrigatoriedade de formalização de contrato de concessão, sendo uma preocupação da Abrapp o reflexo que esses modelos podem ter nas EFPC ligadas ao setor. “Temos que buscar um novo modelo de negócio, criação de planos família, instituidores corporativos, fusões entre entidades, assim como aconteceu no setor elétrico. Nós somos formadores de uma poupança estável, de longo prazo, que cumpre com sua missão social”, complementou Claudia Trindade.

Experiência mineira – A Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, destacou como o objetivo do Marco Legal é universalizar o saneamento, há uma base normativa para atração de investimento privado. “O Novo Marco dá condições e ferramentas para a universalização, pois não adianta dar uma ordem legal de universalizar sem ter condições estabelecidas”.

A Secretária traçou o panorama mineiro, sendo que o estado atua como alavancador a partir de consórcios para garantir que os municípios cumpram com sua atuação em termos de resíduos sólidos urbanos e abastecimento de água e esgoto, explicando que a prestação de serviço de regionalização traz ganho em escala.

Em Minas Gerais, a implementação do Marco do Saneamento passa por unidades regionais de saneamento, regulação, articulação com municípios e modelagem dos serviços e das concessões. São 34 Unidades Regionais em gestão de resíduos sólidos urbanos e 22 Unidades Regionais de água e esgoto, e Marília demonstrou em sua apresentação a capacidade e oportunidade de investimento de longo prazo para cada modelagem.

Os próximos passos para o estado mineiro vão em direção ao estabelecimento de um fluxo para construção das Unidades Regionais de resíduos e de água e esgoto. “Queremos criar uma estrutura de governança que tenha equilíbrio entre a rigidez dos blocos, mas também com certa maleabilidade para migração de municípios entre blocos, desde que a premissa de equilíbrio econômico-financeiro permaneça”, disse Marília, ressaltando que o capital privado é um grande diferencial do novo marco.

Investimentos – Para o Sócio da Atmosphere Capital, Felipe Mattar, o Marco Legal do Saneamento é um turning point para a melhora da governança do setor, trazendo iniciativas para atrair capital privado e longo prazo. “O setor de saneamento no mundo inteiro atrai capital de longo prazo de fundos de pensão”, disse, ressaltando que o gap que falta no Brasil é o da governança.

Ele explicou a atuação da gestora, cujo um dos principais focos está em investimentos no setor de saneamento básico, avaliando que o setor possui custos previsíveis, independente dos ciclos econômicos, com uma tarifa média do Brasil positiva do ponto de vista do consumidor, e alinhada ao resto do mundo, além de ser também adequada para remuneração dos investimentos. “Ao longo dos últimos 30 anos, percebemos que o saneamento é inelástico à atividade econômica. Há um gap de investimentos robusto, há uma crise que não permite que municípios e estados conduzam esses investimentos. É um setor que traz essa combinação de estabilidade, inelasticidade, remuneração de longo prazo e tarifas adequadas, o que nos faz olhar para investimentos”, ressaltou.

Assim, as entidades de previdência privada são as naturais investidoras de infraestrutura do mundo, e isso é visto do ponto de vista internacional. Para o Vice-Presidente do Project Finance do Banco Santander, Guilherme Sassi, o Marco Regulatório afeta o apetite dos financiadores privados, com maior engajamento de investidores internacionais. “O Marco Legal conseguiu trazer novas e grandes concessões, pois ninguém interviria no montante de recursos sem um marco legal bastante robusto”.

Ele destacou que há três principais veículos para entidades investirem: debêntures, que normalmente não alcançam a taxa atuarial das entidades; debêntures de infraestrutura, que estão em análise em projeto no Congresso Nacional; e a participação direta nas companhias de saneamento.

Guilherme ressaltou que os FIPs não devem ser avaliados negativamente por conta de experiências do passado. “O setor de infraestrutura é mundialmente financiado pelas entidades de previdência privada, e isso deve ocorrer no Brasil. As taxas de juros historicamente muito altas não permitiram o desenvolvimento necessário para essa classe de ativos, mas não vejo a gente tendo taxa de juros inflação mais dois dígitos no país tão cedo. Com isso, as entidades precisam buscar investimentos de longo prazo que sejam casados com seus passivos, conseguindo dar rentabilidade necessária para o atingimento das metas atuarias”, reforçou.

Segurança jurídica – Abrindo uma nova janela de oportunidade para o setor, o novo Marco Legal do Saneamento tem uma função primordial de implementar boas práticas realizadas no período da Lei de Saneamento anterior, e juridicizar essas práticas, colocando elas em normas, corrigindo a rota dos principais gargalos identificados para o desenvolvimento do setor, conforme explicou o Sócio líder da prática de Infraestrutura e Regulatório do escritório Demarest & Almeida Advogados, Bruno Aurélio.

Segundo ele, as questões econômicas não mudaram, e as características próprias do setor permanecem, mas é preciso analisar por que o desenvolvimento do saneamento não ocorreu adequadamente. Bruno ressaltou que esse é um investimento de longo prazo com alto nível de estabilidade e que merece atenção, e a legislação tenta trazer uma espinha dorsal de regulação para que não haja desentendimentos entre entes federativos, tendo maior adesão por incentivo. “Assim, a estabilidade se cria pelo volume, criando-se precedentes”, reforçou.

O advogado disse ainda que a regulação tem um ambiente pré-licitação fundamental para dar segurança jurídica e estabelecer um contrato saudável, sendo que o pré-planejamento leva à construção de edital e de contrato.

Para Felipe Mattar, a segurança contratual é fundamental e começa na origem. “É preciso ter contratos objetivos. A estrutura do setor permite essa objetividade. São contratos definidos por preço fixo corrigido a inflação, dando melhor previsibilidade para o agente privado e para o poder concedente e o consumidor”. Ele destacou que o contrato deve ter metas claras, que devem ser cumpridas, sendo o não cumprimento passível de penalidades.

Marília destacou que a política pública de saneamento é um anseio da população, sendo que municípios são constantemente cobrados para que isso ocorra de maneira ágil, e é por isso que há grande preocupação com a segurança jurídica também do município, não podendo dar margem para que um modelo de governança permita a retirada do setor privado a qualquer momento. “Nossos desafio é trazer essa segurança para todos os agentes do processo”.

Luís Ricardo ressaltou que a segurança jurídica fica ainda mais forte quando é levada para o veículo de investimento, e Felipe Mattar destacou que o gestor precisa ser proprietário do negócio por acreditar no retorno, mas que para se ter maior segurança é preciso de um regulamento objetivo, com visão alinhada do investidor e do gestor. “O que alinha o investidor ao gestor são as regras muito claras que deverão ser respeitadas quanto aos limites de risco e retorno, amarradas em um regulamento”, complementou.

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