Para especialistas, Resolução CVM 175 é oportunidade para melhorar governança e eficiência jurídica

A Resolução CVM 175 representa uma mudança significativa no modelo de fundos de investimento, impactando diretamente as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Para analisar os impactos dessa nova regulamentação, tanto sob a perspectiva prática quanto regulatória, o Colégio de Coordenadores da Comissão Técnica de Investimentos da Abrapp realizou um webinar com especialistas na última quarta-feira, 16 de abril.

O evento contou com a participação de João Carlos Ferreira, Diretor Vice-Presidente da Abrapp responsável pela CT de Investimentos; Ricardo Mizukawa, Superintendente de da Bradesco Asset; Luciano Magalhães, especialista da UniAbrapp; e Carlos Alberto Barros, do escritório Barra, Barros e Roxo Advogados.

“A Resolução CVM 175, publicada em dezembro de 2022, inaugurou uma nova era para a indústria de fundos de investimento. Ela busca aprimorar o funcionamento dos fundos equiparando-os ao modelo internacional já consagrado”, disse João Carlos na abertura do evento. 

Devido às inúmeras mudanças que a norma propõe, mais de 40 mil fundos devem ser adaptados no Brasil, e os investidores institucionais, como as EFPC, são diretamente impactados. Ele explica que uma das mudanças mais significativas trazida pela resolução é a redistribuição de responsabilidades entre administradores e gestores, passando a requerer dos gestores uma maior capacidade operacional. 

“Essa mudança requer das entidades de previdência uma nova visão do papel do gestor frente aos fundos exclusivos, assim como os fundos condominiais, muito utilizados para a diversificação das carteiras”, pontuou João Carlos. 

Na sua apresentação, Ricardo Mizukawa explica que o gestor passa a ter um papel de maior protagonismo a partir da resolução, sendo responsável por diversas funções antes atribuídas ao administrador, como a contratação de distribuidores, consultores, agências de rating e serviços auxiliares. 

Além disso, assume o controle direto de aspectos críticos da operação do fundo, como os enquadramentos de limites por emissor, por ativo e por margem, além da observância dos limites definidos pela própria CVM.

“Antes da CVM 175, o administrador era o “gatekeeper” da operação — centralizando a contratação e a supervisão de todos os demais prestadores. Agora, com a nova regulamentação, há um compartilhamento mais equilibrado de responsabilidades”, disse.

Ele apontou ainda que “persiste algum nível de responsabilidade dos administradores de verificação, mas não de controle primário”, o que reforça o caráter subsidiário da atuação do administrador nesse novo arranjo.

Um dos pontos centrais abordados por Mizukawa foi a necessidade de adaptação das EFPC à nova estrutura contratual. Como muitos contratos eram anteriormente firmados apenas com administradores e, eventualmente, com custodiante, será necessário revisar essas relações à luz da nova lógica regulatória. Ele alerta: “Na prática, vai existir agora a necessidade de contratação e de prestação de serviços diretos pelos gestores”.

Mizukawa orienta que as fundações devem compreender minimamente as premissas desses contratos, dado que seus efeitos impactam diretamente a governança dos investimentos.

Ele também explorou a mudança no formato de cobrança de taxas de administração. A CVM 175 exige que a remuneração de cada prestador de serviço — gestor, administrador, distribuidor, custodiante — seja agora discriminada, e não mais apresentada como uma taxa única. Essa transparência, segundo ele, trará benefícios ao investidor institucional, que poderá “identificar se o que está sendo cobrado segue parâmetros ou médias de mercado”.

Estruturação de perfis – Para buscar maior eficiência na estruturação da gestão de perfis, Luciano Magalhães destacou as mudanças na lógica do que antes era o modelo master-feeder e, agora, passa a ser compreendido dentro da dinâmica de classe e subclasse.

Sob a regulação anterior, era comum a adoção da estrutura master-feeder como forma de organizar a gestão e permitir a segregação de taxas entre diferentes perfis de cotistas, como pessoas físicas, jurídicas, investidores institucionais e profissionais. Com a Resolução CVM 175, essa estrutura ganha uma nova roupagem: “O master agora é a classe, e o feeder é a subclasse. A subclasse tem a visão do passivo do cotista, assim como o feeder tinha sob a 555”, disse o especialista

Ele enfatizou que a estrutura de custos é um ponto crítico a ser observado. A “casca” do fundo, que não deve ter movimentações, evita custos adicionais com auditoria e demonstrações financeiras. As classes, com seus próprios CNPJs, arcam com custos regulatórios e operacionais, e as subclasses assumem um custo reduzido, limitado às taxas de registro da CVM e da Anbima. “Quando a gente olha para a indústria e compara com o que existe lá fora, há sim um ganho de eficiência e custo nessa nova estrutura”, pontuou.

Além dos custos, Magalhães destacou que há maior flexibilidade para a criação de veículos específicos para diferentes públicos, reduzindo a necessidade de criação de novos fundos e permitindo uma melhor segmentação dentro do mesmo fundo, especialmente importante para EFPC que precisam tratar planos distintos. 

Contudo, ele alerta: “Não necessariamente a subclasse será usada para representar os planos de uma EFPC. Normalmente, cada plano já tem sua própria taxa definida, e o uso de subclasses não traz ganhos adicionais nesse caso”.

Governança e responsabilidade – Magalhães também abordou o impacto da nova regulação sobre a governança das entidades fechadas que atuam como gestoras. Ele reforçou que, ao obter habilitação para atuar como gestora, a EFPC passa a estar diretamente sujeita à supervisão e sanção da CVM. 

Isso exige um aprimoramento dos processos internos de detecção e controle de riscos. “Se antes havia uma dependência do administrador, agora a EFPC precisa garantir que seu próprio processo identifique, no momento da operação, qualquer não conformidade”, disse.

Para ele, a adequação à nova norma é não apenas uma obrigação legal, mas uma oportunidade estratégica para melhorar a governança, aumentar a eficiência operacional e fortalecer a transparência frente ao regulador e aos participantes. 

Impactos jurídicos – Com a entrada em vigor da Resolução CVM 175, a arquitetura legal dos fundos passa a exigir uma abordagem mais precisa, técnica e integrada entre os diversos documentos que regem sua operação. Carlos Alberto Barros fez uma análise aprofundada desses aspectos, ressaltando que trata-se de uma “mudança paradigmática na forma como os fundos são estruturados e operam juridicamente”.

Barros destacou que a norma marca a consolidação da natureza condominial dos fundos, e que isso traz implicações diretas na alocação de responsabilidades entre os agentes envolvidos. “O fundo é, juridicamente, um condomínio especial com uma personalidade jurídica limitada, e isso precisa estar refletido em todos os instrumentos que disciplinam a atividade”, afirmou.

Um dos pontos centrais da nova regulamentação é o papel dos contratos, conforme dito anteriormente. Para Barros, “a relação entre administrador e gestor ganha um grau de sofisticação que exige muito mais atenção jurídica do que no passado”. Ele frisou que não é mais possível conviver com contratos genéricos, que não detalham obrigações e procedimentos. “A CVM agora exige um padrão mais elevado de transparência e diligência”, afirmou.

Um aspecto relevante levantado por Barros é o alinhamento entre o regulamento do fundo e os contratos firmados com os prestadores de serviço. Segundo ele, o regulamento não pode estar dissociado dos contratos que o fundo celebra. “É preciso haver uma harmonia contratual que reflita a operação do fundo como um todo”. 

No que diz respeito à responsabilidade dos agentes fiduciários, Barros foi enfático: “O administrador continua sendo o responsável legal pelo fundo — inclusive por atos do gestor — salvo se houver disposição contratual clara e aprovação pelos cotistas”. Essa nova abordagem exige que os contratos contemplem com precisão os riscos assumidos e os mecanismos de responsabilização. 

Outro ponto importante é a gestão de conflitos de interesse. Para o advogado, a CVM impôs um novo padrão mínimo: “todos os contratos devem prever mecanismos claros de identificação, mitigação e tratamento de conflitos de interesse”. Essa obrigação, segundo Barros, vai além da boa-fé: “É uma exigência de governança jurídica. Não basta ter boas práticas; é preciso que elas estejam formalizadas e documentadas”.

Ainda que a nova regulamentação permita certa flexibilidade contratual, Carlos Alberto Barros ressaltou que essa liberdade vem acompanhada de maior responsabilidade. “A CVM oferece liberdade com contrapartida: exige técnica jurídica, clareza contratual e diligência nos processos decisórios”. Para ele, essa evolução fortalece o mercado, mas impõe uma nova postura dos agentes jurídicos envolvidos na estruturação de fundos.

Barros afirmou que a Resolução CVM 175 representa uma oportunidade para o mercado amadurecer juridicamente. “Não se trata apenas de uma mudança regulatória; trata-se de um novo modelo mental. Quem entender isso mais rápido terá uma vantagem competitiva”, finalizou.

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