Revista ADM Pro: Autônomos e o caminho para uma aposentadoria segura*

Na busca por mais liberdade e autonomia no exercício da profissão, uma parcela significativa de brasileiros tem atuado em suas carreiras como autônomos e profissionais liberais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no último trimestre de 2022, o Brasil alcançou um recorde histórico com 25,7 milhões de pessoas que trabalham por conta própria, um aumento de 4,7% em relação ao ano anterior.

Tal liberdade, no entanto, vem atrelada a alguns desafios. Entre eles, a falta de estabilidade financeira, que dificulta planejamentos a longo prazo como o da aposentadoria, por exemplo. “A ausência de benefícios como o décimo terceiro ou férias remuneradas, além da falta de um salário fixo e uma estrutura corporativa que ofereça auxílio ou planos de aposentadoria, pode gerar uma resistência ao comprometimento com as contribuições mensais para a previdência”, afirma Devanir Silva, Diretor-Presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Abrapp.

Diferentemente dos empregados com carteira assinada, que têm seus direitos previdenciários protegidos por lei, os autônomos e profissionais liberais precisam construir um planejamento previdenciário que possa assegurar renda no futuro.

No entanto, de acordo com Carlos Castro, CEO e planejador financeiro da SuperRico, plataforma de saúde financeira, antes de começar a pensar em modelos de previdência ou outras opções de investimentos, primeiro é preciso fazer uma reserva para cobrir gastos inesperados.

“A renda do autônomo é imprevisível. Se não tiver um “colchão de segurança” para os momentos em que ela diminui, ele vai recorrer ao cheque especial ou ao cartão de crédito, o que pode levar ao endividamento. Para evitar o uso desses recursos de forma negativa, antes de começar a investir faça uma reserva de emergência, de preferência em aplicações conservadoras em renda fixa, como tesouro direto e títulos bancários (CDBs, LCI, LCA, etc)”, sugere o CEO.

Ele ressalta que a reserva financeira do profissional autônomo deve ser superior a da pessoa física, ou seja, em vez de poupar de três a seis meses de despesas, o ideal é possuir um fundo que cubra pelo menos 12 meses do seu custo mensal.

Opções de aposentadoria para o autônomo – Com a reserva de emergência garantida, o profissional deve planejar a aposentadoria considerando opções que mais se adequem à sua realidade. Uma delas é a tradicional contribuição individual ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social. 

Embora o sistema de previdência social esteja enfrentando um déficit financeiro significativo, que pode impactar sua sustentabilidade devido ao aumento da população idosa e maior da expectativa de vida, é importante entender que esse modelo de contribuição não se restringe apenas à aposentadoria. Ele também garante o direito a benefícios como auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte, salário-maternidade, auxílio-reclusão, além de três opções de aposentadoria: por idade, tempo de contribuição ou invalidez, que podem ser essenciais para as pessoas lá na frente.

Segundo Castro, por mais que exista a discussão do ponto de vista de retorno financeiro, entre contribuir ao INSS ou criar uma reserva própria, há um ponto a ser considerado. No ano passado, por exemplo, o valor médio do benefício do INSS girava em torno de R$ 2.600. Embora pareça pouco para a maioria das pessoas, alcançar esse mesmo valor com renda passiva exigiria um acúmulo patrimonial em torno de R$ 600 mil. 

“Não é tão simples acumular esse montante por uma série de razões, como disciplina e mudanças no cenário econômico. O que recomendo para os autônomos é que contribuam para o INSS, porém, não se limitem apenas a esse recurso. Isso porque, se outros planos não derem certo, ainda assim você terá uma renda vitalícia da previdência social”, observa o CEO da SuperRico.

Equilibrar a contribuição ao INSS com diferentes tipos de investimento é ideal para quem almeja um padrão de vida confortável ao se aposentar. “Optar por planos de previdência privada ou outros investimentos é uma forma de garantir uma boa aposentadoria a longo prazo. No entanto, as alternativas se compõem e não devem ser excludentes”, comenta o Diretor-Presidente da Abrapp.

Para Devanir Silva, um investimento que os profissionais podem considerar é a previdência complementar fechada. Segundo ele, essa modalidade apresenta condições vantajosas, como menores taxas de administração e gestão, pois são destinadas exclusivamente aos seus participantes. “Essa adesão proporciona uma estratégia mais estruturada de acumulação para aposentadoria, com a vantagem de benefícios fiscais e a segurança de um fundo administrado por entidades focadas no bem-estar dos seus membros”, explica o Diretor-Presidente.

Além desse modelo, Silva sugere, ainda, outros tipos de investimentos que funcionam como uma renda extra para a aposentadoria do trabalhador sem vínculo empregatício: previdência privada aberta – PGBL/VGBL (uma alternativa também com benefícios fiscais, porém com finalidade lucrativa), fundos de investimento (de renda fixa, ações ou multimercados, conforme o perfil de risco do investidor), tesouro direto (títulos públicos com diferentes prazos e rentabilidades, mas que requerem muita disciplina para formação de patrimônio), imóveis e fundos imobiliários – FIIs (alternativa de investimentos em imóveis para geração de renda passiva por meio de aluguel ou dividendos).

Erros comuns ao planejar a aposentadoria – A falta de disciplina e de conhecimento para lidar com as finanças pessoais e profissionais ao mesmo tempo é um dos erros mais comuns que o autônomo comete ao planejar sua aposentadoria, aponta o CEO da SuperRico. Para ele, ao misturar esses dois lados, o autônomo não consegue ver o que acontece no caixa e se endivida em todas as frentes, tanto como pessoa física quanto jurídica. “Assim, ele não tem disciplina de guardar dinheiro para a sua reserva e, consequentemente, não consegue nem cogitar uma previdência privada. Além disso, a maioria abandona a contribuição para o INSS”, conta Castro.

Outro erro, segundo o Diretor-Presidente da Abrapp, é subestimar os gastos da aposentadoria. “Muitos profissionais não consideram o custo de vida nessa fase, o que pode se tornar financeiramente insustentável”, comenta Silva.

Ele menciona, também, a falha de não diversificar as aplicações. “Apostar apenas em um tipo de investimento pode ser arriscado, especialmente em tempos de volatilidade econômica”, aconselha o presidente.

Por onde começar? – Definir as melhores estratégias de investimento que vão atender as necessidades a longo prazo nem sempre é algo simples de se fazer sozinho. Uma solução, segundo Castro, é buscar ajuda profissional para evitar equívocos. “Recomendo um planejador financeiro que esteja alinhado aos seus interesses. Ele vai avaliar por completo sua situação e auxiliar no planejamento da aposentadoria”, sugere o CEO.

Além desse profissional, complementa Devanir Silva, há também os consultores previdenciários, que ajudam a traçar estratégias a longo prazo; os contadores especializados em autônomos, que auxiliam no aspecto tributário e de contribuições ao INSS; e os especialistas em previdência complementar, que orientam sobre planos de previdência privada.

Outra dúvida que geralmente surge é sobre quando começar a economizar para a aposentadoria. Embora não exista uma regra, os especialistas recomendam iniciar o quanto antes, o que irá gerar uma quantidade maior de recursos acumulados. “O ideal é começar, preferencialmente, na faixa dos 25 a 30 anos, quando o tempo até a aposentadoria ainda é longo e é possível aproveitar o efeito dos juros compostos”, comenta Silva.

É importante mencionar que os autônomos devem declarar todos os investimentos no Imposto de Renda, incluindo rendimentos de aplicações financeiras como fundos, tesouro direto, entre outros. “Os aportes para a previdência complementar são isentos de tributos, inclusive podem ser dedutíveis para apuração da renda tributável, caso o contribuinte declare pelo modelo completo. Caso o autônomo tenha ganhos com a venda de investimentos, como ações ou imóveis, deve incluir na ficha de ‘Rendimentos Tributáveis’ e pagar os impostos correspondentes”, orienta Devanir Silva.

Oportunidade para novos começos – Além da preocupação com a renda, é preciso mencionar que, com o aumento da expectativa de vida, as pessoas também passaram a ver a aposentadoria como uma oportunidade de recomeço. Para muitos, inclusive, parar de trabalhar pode ser um momento difícil. “Tem gente que perde o senso de pertencimento, ou seja, não se sente mais útil. Isso acaba afetando a saúde mental e aquela expectativa de vida que existia acaba diminuindo, pois a saúde integral acaba se degradando, e não pelos aspectos financeiros”, afirma o CEO da Super Rico. 

Entretanto, para a grande maioria das pessoas, por mais que tenha havido a reserva financeira, ela não será suficiente como única fonte de renda na hora da aposentadoria. “Nessa hora será preciso combinar a renda passiva, do capital acumulado, com a renda ativa do novo trabalho”, reforça Castro. 

Nessa nova etapa profissional, o especialista reforça que o ideal é fazer algo que contribua para a sociedade e esteja alinhado com os próprios valores, transformando a obrigação de gerar renda em um trabalho com propósito. “Por isso que a aposentadoria tal qual a gente tem hoje como definição já não funciona mais”, lembra o CEO. 

Por fim, Castro reforça que todo planejamento financeiro requer objetivos e propósitos bem definidos. “Não estou falando que é fácil, mas sem isso ele corre o risco de não sair do papel”, conclui Castro.

Administradores se preocupam com o futuro – Um levantamento realizado pelo CRA-SP em 2023, que ouviu 363 profissionais registrados no Conselho, revelou que 62% deles consideravam muito importante ter um plano de previdência complementar. 

Questionados quanto às vantagens disso, 76,6% disseram acreditar que o recurso traz maior segurança financeira na aposentadoria. 

Por outro lado, o estudo também identificou que a rentabilidade dos investimentos (34,2%), a falta de transparência nas informações (26,2%) e as taxas administrativas elevadas (20,7%) eram as principais preocupações dos respondentes em relação ao assunto. 

 

*Reportagem publicada na Revista ADM Pro do Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP)

Clique aqui para acessar a edição da revista na íntegra.

 

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