Revista: Lúcio Capelletto fala sobre a agenda da Previc e a recuperação em “V” do setor

lucio capelletto

Na edição de janeiro/fevereiro de 2021 da Revista da Previdência Complementar (produzida pela Abrapp, Sindapp, ICSS e UniAbrapp), o Diretor Superintendente da Previc, Lúcio Capelletto, fala com exclusividade sobre monitoramento ostensivo, perspectivas regulatórias e a recuperação em “V” do segmento. A edição traz uma série de reportagens e entrevistas sobre cenários e perspectivas para o setor (clique aqui para acessar a edição na íntegra).

Os objetivos traçados pela Previc em seu planejamento para o triênio 2021 a 2023 passam necessariamente por um modelo mais proativo e “intrusivo” de supervisão, que mobilizará, já ao longo deste ano, todas as áreas de atuação da autarquia. A intenção é acompanhar de perto 100% das fundações – sejam elas Entidades Sistemicamente Importantes (ESI) – ou não, e atribuir notas a cada uma delas. A atuação mais abrangente, que pretende fortalecer a credibilidade e a solidez do sistema, já começa a ser notada, diz Capelletto.

Essa percepção das entidades, aliás, é bem-vinda, sendo essencial para induzir medidas de sustentabilidade. Ele comenta ainda os planos de modernização regulatória para aumentar a competitividade do sistema fechado, e ressalta a forte resiliência demonstrada pelas EFPCs ao longo de 2020. Os principais objetivos e expectativas da Previc para este ano, nas palavras do próprio Diretor Superintendente, estão reunidos a seguir.

Nova supervisão – As ações pensadas para este ano, assim como para 2022 e 2023, estão em implementação e devem ser compreendidas como iniciativas de supervisão em seu sentido lato. Ou seja, envolvem desde o licenciamento até o processo de normatização, monitoramento, supervisão direta e aplicação do processo sancionador, em todas as áreas de atuação da Previc. Elas serão, portanto, abrangentes, proativas e intrusivas, incluindo as ESI e as não-ESI, que são aquelas entidades que não têm ativos em valor superior a 1% dos ativos totais do sistema. Em termos de pro-atividade, o objetivo é atuarmos tempestivamente, o que significa que sempre que for observado algum sinal fora do padrão, a atuação será imediata e não apenas reativa. Vamos agir para corrigir eventuais infringências de imediato ou até mesmo para evitar que elas ocorram, de modo que as entidades percebam a supervisão e evitem incorrer em erros. Seremos intrusivos justamente nesse aspecto e vamos entrar em contato com as EFPCs tanto pela área de monitoramento quanto pela de supervisão direta. Agora estamos numa fase de induzir e internalizar as normas editadas nos últimos três anos porque não é suficiente ter as normas se não atuarmos na supervisão; é preciso induzir o comportamento das entidades. Vamos verificar como está sendo feita a aplicação efetiva das normas.

Novo modelo – As entidades estão se conscientizando cada vez mais da importância da governança e do papel dos órgãos estatutários. Surge uma cultura que enfatiza a importância dos controles internos e da gestão baseada em riscos, do cumprimento de ritos processuais, da maior qualificação de dirigentes, conselheiros e colaboradores. A gente já vê resultados disso, tanto que houve uma resposta eficaz à crise de 2020. O papel da nova supervisão que estamos implantando é exatamente o de induzir melhorias em cada um desses aspectos. Para isso, estamos aplicando um sistema de avaliação de riscos e controles para verificar se os controles internos são compatíveis com os riscos inerentes às operações da entidade, criando, assim, um incentivo necessário para que as EFPCs apliquem essas medidas. O processo de avaliação da governança, que já é maduro e está sendo feito há algum tempo pela supervisão, vai ser complementado agora pelos aspectos de análise de riscos e controles. Esperamos chegar a uma nota que expresse a visão do supervisor sobre a entidade. “O objetivo é atuarmos tempestivamente, o que significa que sempre que for observado algum sinal fora do padrão, a atuação será imediata, e não apenas reativa”.

Atribuição de notas – A nota será composta por diversos elementos: solvência, liquidez, investimentos, passivos atuariais e até mesmo questões de eficiência, como a análise das despesas administrativas em relação ao total de ativos e participantes. Depois de identificar os pontos fortes e os pontos fracos, vamos devolver essa avaliação em reuniões com os Conselhos Deliberativos e Diretorias das entidades para informá-los da nota recebida. É um processo que estruturamos, está em implementação, e tem como base informações tanto qualitativas quanto quantitativas. O lado quantitativo vem do monitoramento, que nos permite olhar todas as 288 entidades e os 1.100 planos para identificar os principais riscos e os indicadores, de modo individualizado, para cada um dos riscos. Os indicadores podem ter seu próprio valor intrínseco, como, por exemplo, o de rentabilidade, que mostra se houve um resultado positivo ou negativo. Além disso, a análise desses indicadores será feita com um olhar ao longo do tempo, de forma longitudinal, para saber se eles estão melhorando ou piorando. Eles também serão comparados aos de outras entidades. Depois disso, serão consolidados numa nota maior.

Qualitativo e quantitativo – Para as EFPCs que já têm supervisão permanente, faremos um trabalho de avaliação e atribuição de nota mais qualitativo, mais próximo delas, olhando para seus riscos e controles. Temos condições e recursos para fazer essa avaliação para todas, mas num primeiro momento vamos selecionar as ESI e mais algumas que consideramos relevantes, num grupo de 30 entidades, às quais será aplicada a análise qualitativa. Isso significa que todas as EFPCs serão avaliadas quantitativamente, mensalmente, e todas receberão notas, mas só esse grupo de 30, que representa cerca de 70% dos ativos do sistema, será avaliado também sob o ponto de vista dos riscos e controles. Claro que, se alguma das entidades fora desse grupo apresentar algum problema, ela passará a ser analisada também sob a ótica qualitativa. Os aspectos quantitativos, portanto, são norteadores das ações de supervisão e podem ser complementados com avaliações qualitativas.

Percepção do sistema – O sistema percebeu rapidamente que todas as entidades serão acompanhadas de perto a partir de agora, e de certo modo já nos deu retorno dessa percepção. Temos feito um levantamento há algum tempo, por meio de um monitoramento mais proativo, ostensivo, que mostra cerca de 100 sinalizações por mês. A cada sinal fora do padrão, passamos a questionar e, se o monitoramento não fica satisfeito, a entidade passa para a supervisão direta. Nessa média de 100 ocorrências mensais, há diversos casos; em alguns deles estamos fazendo questionamentos mais aprofundados, mas está claro que o sistema já identificou a mudança no padrão de supervisão. É interessante lembrar que mesmo as entidades pequenas têm uma grande importância para os seus participantes, e é por isso que acompanhamos e cobramos informações de todas elas.

Datas previstas – A ideia é aplicar o novo modelo ao longo deste ano. Estamos usando a matriz de riscos e controles que desenvolvemos internamente a partir do modelo do Banco Central, que nós pedimos para compartilhar e foi customizado para a realidade e características do nosso sistema. Até o final do ano, esperamos marcar as reuniões e fazer as devolutivas para as EFPCs. Ainda neste início de ano deveremos dar algumas devolutivas, mas será um número mais restrito.

Qualidade das informações – É interessante lembrar que a qualidade das informações evolui muito a partir do trabalho de monitoramento, uma vez que a melhora nessa qualidade acontece mediante a sua utilização, à medida que o monitoramento é aperfeiçoado. Se a informação estiver errada por uma questão de qualidade, a entidade terá que ter maior esmero. Se não for um problema de qualidade, será de risco, aí vamos verificar porque ela assumiu aquele risco. O monitoramento é essencial para isso.

Enfoque regulatório – O segundo processo que estamos desenvolvendo é exatamente o de continuar a modernizar a regulação do sistema. Já trabalhamos bastante no aprimoramento do arcabouço regulatório desde 2017, mas ainda temos algumas questões, porque precisamos pensar no sistema de Previdência Complementar e em como ele deve ser. Nesse sentido, estão sendo estudadas medidas que flexibilizem as regras, um trabalho feito em conjunto com a Subsecretaria de Previdência Complementar, CNPC – com a participação dos representantes dos participantes, dos patrocinadores e das entidades, junto à Abrapp e à Anapar -, além de representantes do governo. A ideia é aumentar a competitividade, a eficiência e a atratividade. Mesmo porque vamos entrar num cenário de competição com as entidades abertas no que tange aos planos que serão oferecidos aos servidores públicos dos entes federativos. A gente precisa ter um arcabouço que permita às EFPCs competir de forma mais equânime e que atraia novos entrantes. Tudo isso vai tornar o sistema mais eficiente também em termos de redução de custos.

Prioridades na modernização – Existem algumas propostas já em discussão no CNPC, como a possibilidade de permitir o resgate das reservas, que busca uma harmonização com os planos abertos e, inclusive, em relação aos planos instituídos. É importante lembrar, a propósito, que dentro do próprio sistema fechado há diferenças entre os planos patrocinados e os instituídos, como no caso do resgate. Ainda estamos em fase de discussão do tema, mas o que vejo com maior ênfase este ano é a necessidade de efetuar o processo de internalização de todos os melhoramentos nos processos de governança, controles internos e gestão de riscos dos últimos anos.

Harmonização com abertas – Temos participado efetivamente dessas discussões, e o que buscamos é que haja um sistema de Previdência Complementar, fazendo a convergência entre as abertas e fechadas dentro do que for possível. Há algumas questões estruturais mais difíceis de equacionar, mas olhando para a preservação da poupança previdenciária de longo prazo, precisamos buscar uma redução de assimetrias entre os dois sistemas. A flexibilização das regras é fundamental para desengessar mais as entidades fechadas e nos aproximarmos um pouco mais das abertas, preservando, entretanto, o caráter previdenciário dos planos.

O caso do resgate – Mesmo no caso do resgate, não estamos pensando em aprovar o resgate amplo, geral e irrestrito. Ele seguirá regras, e será um percentual pouco significativo em relação ao total de recursos acumulados pelo participante; terá que ser planejado e não entrará nos recursos dos patrocinadores, além de ter um custo para o participante. O que se pretende é facultar o resgate, oferecer essa opção, o que não significa que ele será utilizado. O enfoque da flexibilização, portanto, é não fechar portas, mas também não levar ao desmantelamento da previdência de longo prazo. Para isso, é preciso que haja os incentivos corretos e não apenas a imposição de travas ou barreiras.

Resposta à crise – Fechamos dezembro de 2019 em céu de brigadeiro, com rentabilidade média acima de 14% e crescimento forte, nos aproximando de R$ 1 trilhão em ativos, e aí eclodiu a crise. Ela foi muito forte e naquele momento houve grande preocupação: foram quatro reuniões do CNPC em abril, e a Previc estava atenta à questão da liquidez e à capacidade das entidades honrarem suas obrigações. Fizemos contato imediato com as maiores, além de uma série de mudanças operacionais em termos de entrega de documentos. Também alongamos prazos porque havia a necessidade das EFPCs se adaptarem ao distanciamento social de uma hora para outra. A resposta das entidades à crise foi bastante eficaz tanto nos aspectos operacionais quanto no funcionamento interno em seus diversos processos de investimentos e análise de risco. Elas atenderam com presteza e eficiência, conforme mostra o questionário que fizemos e que está na página da Previc. Não tivemos sequer um caso de interrupção de funcionamento, nem houve qualquer reclamação de participante que não estivesse sendo atendido ou sem receber benefícios. Não houve qualquer problema de liquidez porque elas detinham ativos líquidos suficientes para fazer face às suas obrigações em prazo superior a um ano e meio, sem precisar, portanto, realizar ativos, o que foi muito importante naquele momento de deterioração nos mercados. Também constatamos elevada resiliência do sistema, que foi capaz de suportar a crise nos diversos mercados – monetário, financeiro e de capitais – e se recuperar rapidamente, sem qualquer situação de estresse ou de maior gravidade. Apesar de todas as dificuldades daquela conjuntura, não tivemos qualquer entidade ou plano com problemas maiores.

Adesão de pessoa física – Uma das ideias é a possibilidade de a pessoa física aderir a um plano de EFPC independentemente de ser empregado, associado ou parente de empregados ou associados de determinadas empresas ou associações. Esse é um ponto importante de modernização, ou seja, permitir a adesão de pessoas físicas que entendem que a entidade fechada tem a capacidade e a expertise para gerir seu plano de previdência, mas, por questões regulatórias, é limitada a oferecer seus produtos apenas a participantes que tenham vínculos empregatícios ou que estejam ligados a associações. São questões que precisam ser rediscutidas. A EFPC também precisa pensar se deve continuar a gerir exclusivamente planos de previdência. Por que ela não poderia ter outras fontes de receita? A modernização implica em abrir novas oportunidades e atrair mais participantes para o sistema.

Solvência – Em 2020, houve uma preocupação natural com a solvência por conta da rápida deterioração dos ativos e déficits, que atingiram a mesma magnitude que só tínhamos registrado, por outros motivos, em 2015. Era um déficit bruto de R$ 75 bilhões que trouxe preocupações, inclusive, com a eventual necessidade de equacionamento. Surgiram até mesmo iniciativas de estudos sobre uma eventual revisão da Resolução nº 30 no CNPC, mas nós, acompanhando os números e a situação, passamos a observar uma recuperação em V nos meses seguintes a partir de maio, quando começaram a regredir os déficits e aumentar os superávits. Chegamos ao final do ano e, observando a recuperação dos mercados e as informações preliminares das EFPCs, percebemos que há significativa possibilidade de o sistema apresentar superávit agregado em 2020. Saímos de uma situação extremamente preocupante no início do ano passado; o sistema se recuperou com rapidez. Foi uma demonstração de resiliência, mesmo em face da maior crise que já tivemos em nossa história, o que dá credibilidade e grande satisfação para o supervisor. Em função da capacidade de entrega de resultados, estamos longe da possibilidade de ter uma necessidade significativa de equacionamento de déficits, até porque as dificuldades que ocorreram foram pontuais.

Alterações na Resolução CNPC nº 30 – Normalmente, fazemos estudos para identificar possíveis alternativas de aperfeiçoamentos no processo. No ano passado, em meio à crise, falamos sobre a possibilidade de alterar as bandas de taxas de juros atuariais e sobre eventual eliminação da autorização prévia, pela Previc, para as entidades que precisarem ficar fora dos limites dessas bandas. Estávamos tentando identificar algumas alternativas para tornar o processo mais eficaz, mas isso depende de haver oportunidade e o momento certo para fazer a discussão, já que é uma Resolução que trata de diversos outros temas. Além disso, a Resolução CNPC 30 foi amplamente discutida, e uma eventual alteração terá que ser precedida também por um amplo processo de debate. Teremos ainda que avaliar o tema com os pares do CNPC, mas essa não é, hoje, uma prioridade no entender da Previc.

Shares
Share This
Rolar para cima