Saneamento e infraestrutura oferecerão boas oportunidades, mas exigem atenção e forte controle de risco

Claudia Trindade

Com a necessidade de diversificar e alongar a duration das carteiras de investimentos, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) analisam com maior atenção às oportunidades que se abrem com ativos de infraestrutura. Um dos setores que deve oferecer opções interessantes nos próximos anos é o de saneamento, pois está sendo impulsionado pelo novo marco legal, a Lei 14.026/2020. Com os patamares de juros mais baixos dos ativos domésticos, o cenário atual mostra-se cada vez mais desafiador para que as entidades consigam bater as metas de seus planos de benefícios, sobretudo, aqueles da modalidade Benefício Definido (BD).

“Ao ouvir dez em cada dez economistas, todos preveem que o juro real não voltará aos patamares antigos. Os juros podem subir um pouco, mas serão insuficientes para fazer frente às metas atuariais”, diz Sérgio Wilson Fontes, Diretor Presidente da Real Grandeza e Diretor da Abrapp responsável pelo acompanhamento da Comissão Técnica de Investimentos. Neste sentido, o dirigente aponta o grande desafio de manter a solvência dos planos para os próximos anos e a necessidade de buscar ativos alternativos.

Cláudia Trindade (foto no topo), Diretora Presidente da Fusan e Diretora Executiva da Abrapp, coincide com o diagnóstico e acrescenta a dificuldade atual de aumento da pressão inflacionária. “Estamos enfrentando o maior desafio de nossa história para bater as metas dos planos. A Selic subiu um pouco recentemente, mas ainda é insuficiente para superar os compromissos atuariais. Enfrentamos ainda a volta da inflação, pois o INPC e o IPCA voltaram a abrir”, comenta.

Diante desse cenário, Cláudia indica a necessidade de diversificar os ativos das carteiras, privilegiando os investimentos relacionados à economia real. “Acabou a era de ouro dos títulos públicos que ofereciam risco baixo e retornos altos. Agora temos de migrar para ativos da economia real”, diz a Diretora. Entre as oportunidades de diversificação, aparecem as opções de projetos de infraestrutura e saneamento.

Sergio Wilson Ferraz Fontes_2Grande demanda – Sérgio Wilson (foto ao lado) explica que a infraestrutura do país deve exigir grande demanda nos próximos anos em diversos setores como energia, saneamento, transportes, entre outros. “Temos um país inteiro para construir. Haverá grande demanda por financiamento privado para impulsionar os projetos”, comenta. Ele conta que no mundo inteiro a infraestrutura oferece oportunidades de investimentos com ativos de longo prazo. “São ativos cujos prazos e retornos podem casar com as necessidades atuariais de nossos planos”, afirma.

No setor de saneamento, as demandas parecem ser ainda maiores que nas demais áreas. Cláudia Trindade lembra que desde a década dos anos de 1970 não há um planejamento para o setor. Os últimos grandes projetos vieram do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), que era baseado no investimento público do antigo BNH, Caixa Econômica e mais recentemente, do BNDES. É um modelo implementado através da atuação das companhias estaduais de água e esgoto.

“As companhias estaduais se desenvolveram em alguns estados como São Paulo, Paraná, Minas Gerais e no Distrito Federal. Mas em outros estados, as companhias ficaram para trás e não atenderam as demandas”, conta Cláudia. Atualmente, cerca de 16% da população brasileira não tem acesso à rede de água encanada e quase 50%, não conta com rede de esgoto.

Marco regulatório – A Lei 14.026/2020, que é conhecida como o novo Marco Legal do Saneamento, veio para destravar o desenvolvimento do saneamento no país. A nova legislação incentiva maior concorrência ao exigir licitações para as renovações das concessões. O poder concedente dos municípios ou das regiões metropolitanas devem abrir licitação em que é possível a participação de empresas privadas.

A legislação parece já gerar alguns efeitos como, por exemplo, no leilão da Cedae (Companhia de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro), ocorrido no final do mês de abril passado. Em todo caso, a maioria das empresas que passem a atuar no setor, deverão recorrer à captação de recursos no mercado de capitais para financiar os projetos. É aí que poderão entrar as EFPCs com suas reservas de ativos. “Ainda não sabemos exatamente quais os formatos de financiamento e os veículos. Mas acredito que podem ser através de FIPs, debêntures ou outros ativos de crédito privado”, prevê Cláudia.

Cuidados – A segurança jurídica, o controle de riscos e a seleção de gestores são pontos de atenção indicados por Sérgio Wilson, para a análise de viabilidade dos futuros investimentos no setor. “Estamos rediscutindo a viabilidade dos investimentos em FIPs. É necessário que o mercado busque um aperfeiçoamento desse tipo de veículo. Ainda não vejo uma perspectiva de curto prazo, mas é importante buscar a revitalização dos FIPs”, analisa o dirigente.

No caso dos fundos de participações, será muito importante colocar muita atenção no processo de seleção de gestores, verificar o histórico (track record) e a expertise das equipes. “É preciso analisar todos os aspectos, a transparência, a capacitação das equipes, entre outros fatores. Tudo isso deve ser muito bem documentado e aprovado no processo de análise e aprovação pelos órgãos de governança das entidades”, recomenda Sérgio Wilson.

Em todo caso, ele acredita que surgirão oportunidades atraentes a partir das consequências da aplicação do novo Marco Legal do Saneamento. “O financiamento público praticamente secou. Então, haverá boas oportunidades aos investimentos. O saneamento exige investimentos muito altos, que deverão ser captados junto ao setor privado”, comenta.

Manual de boas práticas – Com um patrimônio atual de R$ 1,05 trilhão, segundo dados do Consolidado Estatístico da Abrapp), o sistema de EFPC deverá entrar com um volume crescente de ativos em infraestrutura nos próximos anos a medida que vençam os títulos públicos que estão em estoque. “Não teremos condições de nos furtar de ficar fora dos investimentos em infraestrutura do país”, analisa Cláudia Trindade.

Como a maioria das companhias que atuam no setor de saneamento ainda são de capital fechado, a dirigente acredita que o caminho mais viável deverá acontecer através dos FIPs. “Os FIPS devem voltar aos poucos ao radar das entidades fechadas. E para isso será muito importante avançar com a regulação e a autorregulação desse mercado”, aponta. Ela lembra da iniciativa da Abrapp que pretende chamar outras associações de mercado como Anbima, Abvcap e também órgão de supervisão, a Previc, para elaborar um manual de boas práticas para os fundos de participações. A iniciativa foi anunciada e debatida em recente webinar organizado pela Abrapp em conjunto com a Anbima (leia mais).

Planejamento ALM – Durante o webinar, os especialistas em gestão de recursos apontaram a necessidade de elaborar um planejamento adequado para os investimentos alternativos, que em geral apresentam maiores prazos e menor liquidez. “Os investimentos em FIPs ou ativos de crédito privado de infraestrutura possuem maior duration. Por isso, é necessário buscar o casamento com o ALM das carteiras”, explica Cláudia. Ela lembra da questão da curva jota dos FIPs, que é um período inicial, em que o fundo não apresenta valorização.

A Diretora Presidente da Fusan destaca ainda a proximidade com o setor de saneamento de sua fundação, por conta do patrocínio da Sanepar, que é a companhia de saneamento do Paraná. Essa proximidade ajuda a equipe da entidade a compreender melhor as características do setor de saneamento e de sua necessidade de financiamento. Ela se mostra confiante no surgimento de boas oportunidades de investimentos no setor que, além do retorno financeiro, também permitirá um ganho social para a população.

“Representará um ganho para todo o país em termos de qualidade de vida e saúde pública. É importante destacar que o acesso à rede de saneamento básico previne mais de 100 doenças e permite ganhos até no turismo, com a despoluição de rios e praias”, comenta. Cláudia acredita que as oportunidades deverão se multiplicar nos próximos anos, pois as necessidades de investimentos no setor são enormes.

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