Por Patricia Bressan Linhares Gaudenzi* – O modelo de tributação adotado para a previdência social no Brasil tem por fundamento o diferimento fiscal, isto é, a postergação do impacto tributário para o momento do recebimento do benefício previdenciário. Por isso, contribuições aportadas por pessoas físicas (contribuição previdenciária do segurado – empregado, trabalhador avulso, empregado doméstico, contribuinte individual, segurado especial ou facultativo) são dedutíveis para efeitos de apuração do imposto de renda, desde que o contribuinte tenha rendimentos tributáveis sujeitos ao ajuste na declaração anual.
Também as contribuições previdenciárias patronais são dedutíveis para a pessoa jurídica sujeita ao lucro real, que é o regime de apuração que permite a apuração de despesas para efeitos de incidência do imposto de renda.
Em contrapartida, os rendimentos pagos pela previdência social são passíveis, em regra, de tributação pelo imposto de renda na fonte, retido e recolhido pelo próprio Instituto Nacional de Seguro Social, com base na tabela progressiva do imposto de renda, e ajustável na declaração anual do contribuinte, aposentado ou pensionista.
Ocorre que o regime de diferimento do ônus financeiro do imposto de renda não é eficaz ao que se propõe (postergar o ônus do tributo), em razão das distorções existentes, decorrentes dos critérios adotados para dedução e para a incidência do imposto. Dados da Receita Federal de 2017 apontam que somente a partir da faixa de 5 a 7 salários mínimos a participação na contribuição de previdência complementar passa um percentual de 10%, uma vez que abaixo dessa faixa não há incentivo para investimento em previdência complementar.
Isto porque a dedutibilidade das contribuições, tanto pela pessoa física quanto pela pessoa jurídica limitada a determinadas condições, impede, na maior parte das vezes, que todo o valor contribuído seja usado para abater do imposto de renda devido. E, em contrapartida, quando do retorno dos recursos ao participante ou beneficiário do plano de previdência complementar, o imposto de renda incide na fonte sobre alíquotas variadas – que podem não guardar relação com aquelas usadas para a dedução das contribuições – e sob
sistemáticas diversas – imposto de renda definitivo ou em caráter de antecipação.
Assim, o que se verifica é que, ainda que o intuito do legislador tenha sido o de traçar um regime de tributação que proporcionasse a postergação do efeito financeiro do imposto de renda, o que há, na realidade, é a tributação de algo que não pode ser considerado como renda nem como proventos.
Vale dizer, o diferimento, plenamente, somente ocorre nos casos em que as contribuições aportadas no plano sejam deduzidas na exata medida da tributação incidente sobre os benefícios e resgates ulteriores, ou se a tributação destes ocorrer em alíquota inferior àquela aplicável sobre a dedução das contribuições. Nos demais casos, o imposto de renda incide, efetivamente sobre todo o valor recebido, inclusive sobre a devolução do patrimônio (valor principal – contribuições) investido – em descompasso com a vedação para tributação da reposição patrimonial.
Por conta disso, o imposto de renda, nas hipóteses em que não houver dedução com base em critérios coincidentes ou de dedução “a maior” que a medida do imposto de renda incidente sobre os resgates e benefícios recebidos pela pessoa física, incide não apenas sobre os resultados positivos, mas também sobre o que não é resultado (é principal, é patrimônio).
Assim, é preciso se desenhar uma alternativa que permita a real cobertura previdenciária sem acarretar a incidência de imposto sobre o que não é renda ou o conhecido efeito da dupla tributação, para a parcela significativa da população economicamente ativa que não se beneficia da faculdade de dedução das contribuições para os planos de previdência complementar, por auferir rendimentos abaixo da faixa de isenção da tabela progressiva do imposto ou por auferir apenas rendimentos isentos, como grande parte dos profissionais liberais e autônomos.
*Sócia fundadora de Linhares e Advogados Associados, graduada pela Universidade Mackenzie/SP, mestre pela PUC/SP, pós-MBA pela Saint Paul Escola de Negócios, pós-graduanda em análise estatística pela FIA/SP, conselheira certificada pelo IBGC, membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, professora de graduação e pós graduação em Direito Tributário e Previdência Complementar e Coordenadora da Comissão Técnica de Assuntos Jurídicos da Abrapp – Nordeste.