Webinar Abrapp: ESG deixou os anexos para virar capa dos relatórios

Os aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) na tomada de decisão dos investimentos já deixaram de ser um mito e passaram a se tornar realidade dentro das fundações. A visibilidade do tema ficou ainda maior após a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), que deixou claro que quem já adota essas práticas demonstrou maior resiliência durante a crise. O tema foi amplamente debatido por especialistas durante o webinar “ESG na Prática e sem Mitos”, realizado na última sexta-feira, 14 de agosto, pela Abrapp, com a participação de 560 pontos de conexão.

Com o título de “Muito além de tendência: ESG como pré-requisito”, o primeiro painel contou com a participação de Fábio Coelho, Presidente da Amec; Sergio Wilson Fontes, Diretor Presidente da Real Grandeza; e Rogério Tatulli, Diretor Superintendente da Previ-Ericsson. O Diretor Presidente da Abrapp, Luís Ricardo Marcondes Martins, iniciou o painel destacando a janela de oportunidade que o setor de previdência complementar vem passando com um processo de incremento e ampliação da proteção social.

Ele destacou o caminho de maior profissionalismo dos dirigentes das entidades fechadas (EFPC para promover maior blindagem ao sistema. “Nessa linha, a busca por investimentos responsáveis está na agenda. A pandemia acelerou a conscientização. É um processo de maturação educacional e cultural, mas falta uma metodologia de avaliação do impacto desses ativos sustentáveis nas carteiras. Esses são os desafios do setor”. Luís Ricardo passou dados de crescimento dos planos família como sinal de avanço do segmento, o que reforça a responsabilidade do setor.

Sérgio Wilson, que também é Diretor Executivo da Abrapp, apresentou a experiência de sua entidade, a Real Grandeza, que tem uma larga experiência com sustentabilidade. A fundação está engajada no assunto há vários anos e conta com manual de princípios ESG, além de ter sido a primeira EFPC a receber o Selo de Autorregulação em Governança Corporativa da Abrapp. “A pandemia veio trazer mais foco a essa questão. O ESG saiu dos anexos e entrou para a capa dos relatórios das fundações, ganhando uma relevância extraordinária”, pontuou o Diretor Presidente da entidade Sérgio Wilson.

“Essa história de ESG é capitalismo puro. Passou-se a entender que, com essas práticas, baixamos risco no longo prazo e conseguimos maior segurança nos investimentos e com sustentabilidade”, complementou. Os índices ESG estão performando melhor, segundo Sérgio Wilson, que também é Diretor Executivo da Abrapp, o que mostra que esses aspectos criam resiliência aos portfólios. “É óbvio que o Brasil precisa evoluir no tema, e o papel das fundações é essencial nisso, até porque temos uma visão de longo prazo”.

Ele ressaltou ainda que o que era uma simples questão ambiental passou a ir muito além. “Os temas sociais estão ganhando extrema relevância, a questão da desigualdade do mundo, do capital humano, da diversidade questão racial, e isso entrou na ordem do dia para acrescentarmos o S de social, e o G de governança, sempre. Temos também o I, de integridade, que devemos colocar. E para nós é fundamental, pois somos agentes fiduciários do futuro das pessoas”, complementou.

Maior relevância – Fábio Coelho, Presidente da Amec, destacou que os princípios ESG vêm ganhando cada vez maior relevância nos últimos meses, e há um papel fundamental dos investidores e das assets e seguradoras na promoção de investimentos sustentáveis. “O assunto ganhou uma visibilidade muito grande mundo afora”, disse.

Outro ponto abordado por Fábio foi uma mudança de posicionamento em que as empresas estão saindo do capitalismo de shareholders (acionistas) em direção ao capitalismo de stakeholders. “Isso reforça que os investidores institucionais devem buscar um compromisso com todas as partes interessadas de uma empresa”, disse. “Nos últimos 100 a 150 dias de pandemia de COVID-19 no Brasil, começou-se a ver uma migração para o core business dos investidores, de dever fiduciário”.

Fábio destacou que, diante deste cenário, há uma responsabilidade dos gestores no engajamento com empresas, cobrando melhores práticas. Assim, ele mencionou o Código Amec de Stewardship, que congrega as práticas de engajamento feitas com os investidores, que cobram as empresas em alguns posicionamentos, como remuneração, fatores ESG, estrutura de governança, gestão da inovação, eleição de conselheiros, etc.

“O papel do investidor institucional muitas vezes é de cobrar que as empresas investidas tenham esses aspectos bem colocados. E quando eles aderem às melhores práticas de engajamento, assumem um compromisso público de, anualmente, publicizar as empresas e os temas aos quais decidiu se engajar”.

Fábio levantou a questão que muitas vezes a dúvida do investidor é por onde começar. “Se você tem na sua carteira uma empresa que pode gerar impacto grande, há um dever de fidúcia de cobrar uma mudança”, destacou Fábio. Ele ressaltou a importância de se traçar a materialidade das alocações da carteira.

“É importante saber quais ativos no portfólio atendem aspectos ambientais, sociais e de governança. É preciso também avaliar o risco para cobrar posicionamentos, mesmo que tenha uma posição pequena na empresa. Às vezes pode escolher algumas companhias para se engajar, participar de assembleias, entre outras ações”, disse.

O mundo da sustentabilidade pode assustar no primeiro momento, destacou Fábio, mas ao dar os primeiros passos, é importante definir quais são as melhores práticas. “O que falta é uma organização como compromisso público, adesão de melhores práticas e disclosure. Se você terceiriza esses investimentos, como cliente da asset, faça a cobrança para que o gestor cobre por você o papel das empresas nessas práticas”, complementou.

Responsabilidade – Rogério Tatulli, que também é Diretor Executivo Suplente da Abrapp, destacou que as entidades fechadas sempre se preocuparam com governança em um trabalho mais amplo, mas os aspectos sociais e ambientais algumas vezes não ganhavam a atenção devida. “A diversificação é fundamental para se ter retorno de longo prazo, e a ideia que os investimentos responsáveis não trazem rentabilidade é equivocada. Há um alinhamento com nosso compromisso de longo prazo, e somos responsáveis por impactos positivos”, enfatizou. Outro ponto é a pressão dos próprios participantes, com a chegada de  uma nova geração mais consciente, que se preocupa com esses temas. “Esse novo participante do sistema cobra resultados e posicionamentos mais efetivos. A pandemia só agilizou esse processo que já estava em marcha”, destacou.

Tatulli lembrou que já existe, no âmbito regulatório da Resolução CMN nº 4.661, uma recomendação sobre investimentos ESG, e todas as entidades trabalham com essa recomendação. “Como temos gestão terceirizada de investimento, devemos cobrar dos nossos gestores um posicionamento nas reuniões dos acionistas”. Tatulli disse ainda que é preciso medir alguns riscos muitas vezes intangíveis, como o de imagem, que pode afetar a rentabilidade do negócio.

“Sempre foi muito exigido da Previ-Ericsson, pela nossa patrocinadora, olhar essas questões de responsabilidade. Por isso, temos um processo de educação do nosso Conselho, que é parte integrante dessa mudança, disseminação de conhecimento e ampliação do rol dessa discussão”, disse.

Sergio Wilson complementou dizendo que é essencial as EFPC exercerem o papel de acionista participando dos Conselhos das empresas. “Quem tem um determinado nível de ações tem obrigação fiduciária de participar do Conselho para trazer resultado, com ativismo”.

Fábio Coelho ressaltou que já se percebe um grande número de EFPCs do Brasil adotando políticas de divulgação de editais de seleção de conselheiros. “Soma-se a isso o fato de que muitos investidores, mesmo com posições pequenas, podem fazer um bloco, um grupo, para indicar um representante de conselho”, destacou.

Gestores das assets – No segundo painel do webinar, os gestores da Schroders e da BlackRock abordaram o tema ¨Rentabilidade, ESG e Impactos do Covid-19 nos Investimentos de Longo Prazo¨. Participaram Daniel Celano, CFA Country Brasil da Schroders, Pablo Riveroll, CFA Head Brazilian/Latam Equities também da Schroders; e Carlos Takahashi, CEO da BlackRock no Brasil.

Os gestores da Schroders lembraram que a asset global, com sede no Reino Unido, e atuação há 25 anos no Brasil, acumula experiência de uma jornada nos temas ESG com mais de 20 anos. É uma gestora que tem dedicado atenção para as questões socioambientais desde 1998 e atualmente possui 22 times de analistas dedicados exclusivamente ao tema. Daniel Celano disse que considerar os aspectos ESG no atual estágio das mudanças climáticas globais e de escassez dos recursos traz melhores resultados para as carteiras de investimentos. “Já não estamos falando de abraçar as árvores. É uma questão de desempenho”, comentou.

Celano comentou que apenas as empresas vo visão de sustentabilidade de longo prazo terão condições de sobreviver no futuro. “Questionamos se a empresa considera os riscos ambientais, se paga impostos, se cuida bem dos colaboradores”, disse. Se as respostas são negativas, isso se reflete no aumento dos riscos das empresas. Alguns deles são considerados riscos de “cauda”, que podem ser muito baixos, mas que quanto ocorrem, podem provocar perdas muito grandes.

Ele disse ainda que o ESG exige uma abordagem própria, com olhar voltado para o futuro. Se olhar apenas para o passado, pode ser que os índices com temáticas de sustentabilidade não tenham registrado desempenho superior aos tradicionais. Porém, com as mudanças climáticas e de comportamento dos mercados e das novas gerações, o socioambiental deve gerar maior impacto sobre as alocações futuras. “Temos de olhar para o futuro para considerar o ESG de maneira sistemática”, contou Celano.

Pablo Riveroll defendeu que uma análise ESG mais apropriada depende da realização de perguntas corretas. E chamou a atenção para a importância que as informações coletadas tenham capacidade de serem replicadas para testar a sustentabilidade das empresas. O gestor disse que a Schroders tem ferramentas proprietárias para a análise ESG dos ativos que foram desenvolvidas ao longo de mais de 20 anos de atuação no segmento.

O gestor da Schroders fez uma ressalva que a abordagem ESG não precisa ser apenas negativa, de deixar de se investir em alguma empresa. Mas pode ser visto como oportunidade de se investir em uma empresa que toma uma direção de mudança para uma gestão que valorize o socioambiental e a governança. E citou como case no Brasil da empresa Via Varejo, que era avaliada negativamente pela asset, mas que mudou de controle e passou a contar com uma governança mais positiva.

Riveroll defendeu que os investidores que seguem uma orientação ESG devem desenvolver maior engajamento nas empresas investidas. Além das votações em assembleias, a asset desenvolve, em casos mais problemáticos, ações de comunicação e diálogo com os administradores e conselhos das companhias.

Desempenho superior – A rentabilidade dos portfólios e índices que seguem princípios ESG têm alcançado melhores desempenhos que carteiras tradicionais durante o período de pandemia de COVID-19, comentou Carlos Takahashi. Segundo levantamento da BlackRock, 985 dos investimentos ESG tiveram melhores performances que a média de outras classes de ativos nos últimos meses. Em outros dois períodos de crise, em 2008 e 2015, as carteiras ESG também já tinham registrado melhores performances. Em 2015, 78% dos índices ESG tiveram desempenho superior; em 2008, foram 74% desses casos.

Takahashi retomou a trajetória do tema dentro da BlackRock, que é considerada a maior asset global em termos de ativos sob gestão. Duas cartas de seu CEO mundial, Larry Fink, de 2019 e de 2020, marcaram a indústria de fundos de investimentos. Nas cartas, o gestor colocou os temas e ações ESG no foco das discussões e no centro da gestão de recursos. “Na carta de 2020 há mensagens claras e objetivas para se considerar as mudanças climáticas e o que a BlackRock deveria fazer”, disse.

Ele citou por exemplo a indicação que a asset deveria deixar de investir em empresas que atuam na geração de energia com a utilização de carvão térmico. E para as empresas que consomem este tipo de energia, a gestora deve cobrar um plano de transição para a substituição das fontes atuais para energia limpa. No caso dos fundos com gestão passiva, a carta indicou que a BlackRock deve atuar junto aos provedores de índices para incorporar fatores ESG em suas metodologias.

O CEO da BlackRock no Brasil enfatizou as práticas de engajamento (stewardship) dos investimentos nas empresas para cobrar uma gestão alinhada com o ESG e indicou que tal atuação deve considerar uma fase de transição. “É preciso monitorar as empresas investidas para verificar o que as ações estão provocando”, disse Takahashi.

Ele mostrou também que as novas gerações, chamadas de millennials, já foram educadas com o olhar da sustentabilidade ambiental e que as empresas que não se adaptarem à nova realidade, terão mais dificuldades de sobreviver. O executivo indicou ainda que cerca de 70% dos novos investimentos em ETFs (Exchange Traded Funds) no mundo são direcionados para fundos relacionados à sustentabilidade ou de impacto.

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