Especialistas alertam para possível impacto sistêmico em julgamento do STJ sobre submassas

Marlene Ribeiro Silva

O julgamento de um caso que envolve ação de participante do plano da Cofavi – Companhia de Ferro e Aço de Vitória – contra a Previdência Usiminas (antiga Femco) no Superior Tribunal de Justiça (STJ) está preocupando dirigentes, profissionais e especialistas que militam no sistema de Previdência Complementar Fechada. A análise do recurso especial nº 1964067/ES, que será realizado na 2ª Seção do STJ sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, estava marcada para o último dia 9 de fevereiro, mas foi adiado por duas vezes. Agora tem data prevista para o próximo dia 9 de março.

A Abrapp reiterou pedido para participar do julgamento na condição de amicus curiae, pois o resultado da decisão pode afetar todo o sistema. Por isso, a associação tem acompanhado de perto todo o processo que deve ser apreciado em breve pelo Tribunal. “Queremos participar como amicus curiae porque o caso terá repercussão para outras entidades. É uma situação preocupante, mas que temos conseguido importantes avanços junto ao STJ”, diz Jarbas Antonio de Biagi, Diretor Executivo e responsável pela Comissão Técnica de Assuntos Jurídicos da Abrapp – leia mais.

Marlene de Fátima Ribeiro Silva, Coordenadora Jurídica da Funcef e membro titular da Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), reforça que a decisão do caso terá consequências para todo o setor. “Temos acompanhado o caso com preocupação. É um tema que representa risco sistêmico, que traz insegurança jurídica. Como advogada que atua no setor, tenho de dizer que o sistema está apreensivo. Mas temos expectativa de uma correta interpretação por parte do Tribunal”, comenta.

O tema é discutido em diversos âmbitos de profissionais das entidades fechadas, tais como as comissões técnicas da Abrapp, a Comissão de Previdência Complementar da OAB-DF e também na Funcef, diz Marlene. Ela explica que se trata de um plano multipatrocinado, que envolve submassas e a segregação de ativos e passivo de patrocinadores distintos.

Falida em 1996, os ex-empregados da Cofavi demandam aposentadorias vitalícias na Justiça. Vários dos participantes aposentados, que receberam benefício até março de 1996, quando os recursos disponíveis no fundo Cofavi acabaram, ingressaram com demandas judiciais contra a Femco, pleiteando o pagamento das complementações de aposentadorias de forma vitalícia, mesmo não tendo contribuído tempo suficiente para a formação da reserva garantidora.

Resolução CNPC n. 41/2021 – “A legislação e a regulação de nosso setor garante a segregação patrimonial. Cada patrocinador e grupo de participantes deve arcar com suas obrigações. Isso é reconhecido através de um registro contábil apartado, com relatórios anuais, com nota técnica atuarial e demais informações”, diz a Coordenadora Jurídica da Funcef. Ela aponta a Resolução CNPC n. 41/2021 como a norma que traz as regras para a segregação de planos multipatrocinados. “É uma norma recente que trouxe maior clareza para o tema. As regras, porém, já eram tratadas em normatizações anteriores”, diz.

O caso envolve uma situação de inadimplência contratual por parte da Cofavi. Esse patrocinador entrou em processo falimentar e deixou de aportar para o plano. Não houve  formação de reservas e a parte do plano relacionada aos seus participantes ficou insolvente. A questão é que a Justiça, em primeira e segunda instância, decidiu a favor dos participantes da Cofavi e promoveu execuções na parte “saudável” do plano, que era justamente dos ativos relacionados aos participantes da antiga Femco.

“Essas decisões equivocadas têm promovido a retirada de recursos de um plano totalmente líquido, cuja regra contratual está em ordem. Temos esperança que a decisão do STJ confirme que a Previdência Usiminas não tem responsabilidade pelo pagamento de benefícios dos assistidos da Cofavi”, defende Marlene. Ela explica que o custeio prévio é a base para o pagamento do benefício futuro e que o próprio STJ tem proferido decisões importantes que confirmam essa tese.

Roberto Eiras Messina, Sócio da MMLC Advogados e membro da Comissão Técnica de Assuntos Jurídicos da Abrapp, cita o Tema 955, de recurso repetitivo do STJ, que afastou a possibilidade de pagamento de benefícios relacionados a horas extras e vale alimentação pelas entidades fechadas. “Decisões mais recentes do STJ já indicam que a entidade fechada não pode realizar o pagamento de benefícios se não houve custeio prévio. É um entendimento que está alinhado com a Constituição Federal e com a legislação do setor”, afirma.

O advogado explica que a maioria dos juízes de primeira instância, ao analisar as ações individuais dos participantes, atribuem a responsabilidade do pagamento dos benefícios à EFPC, sem olhar para a questão do custeio prévio. Os processos vão subindo para as instâncias superiores e muitas vezes as decisões são confirmadas. “A maioria dos juízes não têm condições de enxergar o caráter coletivo dos planos e acaba tomando decisão que lhe parece razoável, mas não percebe as consequências negativas para os demais participantes”, explica Messina.

Ele acredita que as recentes decisões do STJ estão formando um entendimento no sentido de respeitar as regras do contrato previdenciário. “Não existe comprometimento de um grupo de participantes por outro que não aportou. As submassas indicam que há recursos segregados para grupos e pessoas distintas”, defende Messina. O especialista também concorda que o caso envolve risco sistêmico, pois afeta a segurança de todos os multipatrocinados e multiplanos.

Entes federativos – O risco jurídico envolve, por exemplo, a nova Previdência Complementar do servidor público. A maioria dos municípios e alguns estados estão optando pelo ingresso em planos multipatrocinados para oferecer a Previdência Complementar para seus servidores, de acordo às determinações da Emenda Constitucional n. 103/2019. “É uma questão de escala. O ente público municipal terá de começar o plano dentro de um multipatrocinado”, comenta Messina. Por isso, a questão da decisão do STJ é importante para garantir a segregação patrimonial e de obrigações.

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