Harmonização entre entidades fechadas e abertas é tema central de painel do 15º ENAPC

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A aprovação da Emenda Constitucional nº 103 que, entre outros pontos, define que os entes federados constituam seus regimes de previdência complementar no prazo de 2 anos e abre para todas as entidades, tanto fechadas quanto abertas, a gestão e administração desses planos, trouxe um desafio ao sistema de previdência complementar: a necessidade de harmonização entre os dois sistemas. Esse foi o tema central de debate da Plenária 5 do 15º Encontro Nacional de Advogados das EFPC (ENAPC), realizada nesta quarta-feira (16), terceiro e último dia do evento.

Com o título “Harmonização Entre Entidades Abertas e Fechadas Sob a Ótica da Previdência Complementar do Servidor Público”, o painel trouxe representantes do governo e teve a participação do Diretor Presidente da Abrapp, Luís Ricardo Marcondes Martins, que registrou o alto nível do debate Grupo de Trabalho sobre Entes Federativos no âmbito da Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK) sobre este tema (saiba mais). Ele lembrou os 43 anos de solidez do sistema fechado de previdência e que, nesse momento histórico a previdência complementar está na agenda prioritária do governo brasileiro. “Isso é fundamental, pois existe uma demanda reprimida após a Reforma da Previdência. E dentro dessa estrutura surge a janela de oportunidade de instituir para mais de 5 mil entes federados a previdência complementar para todos os servidores públicos e seus familiares. Quando falamos em gerir previdência complementar do servidor público, a gente sabe fazer”, destacou.

Ele enalteceu a história, eficiência e profissionalização do segmento e, dentro desse cenário, lembrou que o sistema iniciou uma relação com as entidades abertas em 2001, com os planos instituídos, a portabilidade, além de fazer transferência de risco para seguradoras. “Não é fácil, em um segmento com toda essa estrutura engessada, às vezes, fazer alterações. Tem muita coisa que une o segmento fechado e aberto, mas quais dessas diferenças permitem ou não a competição?”, questionou.

Luís Ricardo ressaltou o tratamento tributário como um das grandes impropriedades do sistema e enfatizou a necessidade de encontrar uma medida de afastar a bitributação que incide sobre a baixa e média renda. Além disso, ele abordou a questão comercial, que do lado das abertas é muito mais forte e estruturada do que nas fechadas. “Devemos ainda retirar a diferenciação entre produto financeiro e produto previdenciário e tratar das diferenças entre as políticas de investimento, reguladas pela Resolução CMN nº 4.444 nas abertas e pela Resolução CMN nº 4.661 nas fechadas, com diretrizes diferentes”.

O Diretor Presidente da Abrapp pontuou que os desafios são enormes. “Não podemos deixar de implementar diretrizes ao sistema”, disse, reforçando a necessidade de fortalecer a Previc como órgão fiscalizador e de supervisão do sistema. Luís Ricardo ressaltou a importância da inscrição automática, que funciona no mundo todo e já teve seu caso de sucesso no Brasil com implementação na Funpresp. “Precisamos prever ainda que a previdência complementar, seja da entidade que for, possa oferecer plano família aos seus participantes”, reforçou, destacando a necessidade de continuar profissionalizando o segmento, subindo essa régua. “Precisamos superar questões para que tenhamos uma competição justa”, complementou.

Presente no painel como debatedor,​ Devanir Silva, Superintendente Geral da Abrapp, ressaltou que o momento é de um novo ciclo virtuoso. “Teremos uma previdência complementar dos entes federativos, com novos produtos e com pessoas certas para esse ciclo, com autoridades focadas no fomento e em um futuro promissor de proteção de pessoas e desenvolvimento. Vejo também um líder de sociedade civil com disposição para o novo e abertura para diálogo”, disse, fazendo referência a Luís Ricardo.

Ele apresentou um contexto sobre o sistema de previdência complementar fechada, ressaltando os grandes desafios na previdência complementar, na governança, na transparência, nos produtos e nas regras, e a Abrapp tem participado desses debates, apresentado sugestões para que haja uma harmonização justa entre entidades abertas e fechadas. “Eu acredito que o IMK tem ouvido e procurado essa harmonização”, complementou Devanir.

Crescimento do sistema –​ Paulo Fontoura Valle, Subsecretário do Regime de Previdência Complementar, presidiu a Plenária e destacou que, quando se discute a legislação, fica clara a necessidade de harmonização entre as entidades abertas e fechadas. “Temos que buscar uma harmonização maior com vistas a realmente atingir o objetivo de aumentar a cobertura da previdência complementar no Brasil, mas também de gerar um ambiente de concorrência que faça esse sistema evoluir”. Na visão do governo fica claro, segundo Paulo Valle, que pelo menos nos planos coletivos deve haver essa harmonização. “A gente acredita que esses planos são o principal canal de crescimento da previdência complementar”.

Para dar mais detalhes sobre como essa harmonização se daria, Narlon Gutierre Nogueira, Secretário de Previdência da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, iniciou uma explanação sobre os desafios da previdência social na pandemia. Segundo ele, a previdência social foi chamada novamente a cumprir seu papel diante desse cenário, que é de proteger o trabalhador nas situações de infortúnio que ele enfrente. “Muitas pessoas ficaram sem condições de ter acesso a sua fonte de renda, seja os empregados que tiveram contratos de trabalho suspensos, redução na remuneração, ou eventualmente perderam seus empregos, e a previdência social desempenhou seu papel de permitir que pudéssemos passar esses 6 meses sem nenhum tipo de ruptura mais grave no nosso tecido social, garantindo que os aposentados e pensionistas continuassem recebendo seus benefícios, sendo eles, muitas vezes, as pessoas que continuaram provendo a renda à sua família”.

Segundo ele, a previdência social cumpriu seu papel todo esse tempo, mas há um desafio no orçamento público nos próximos anos, e isso reforça a necessidade de estados e municípios fazerem suas reformas para o regime geral e próprio de previdência social dos servidores públicos, trabalhando, assim para a sustentabilidade desses regimes para que o Estado brasileiro reorganize suas contas e possa investir em outras políticas.

Previdência complementar dos servidores – Narlon destacou que o desenvolvimento da previdência complementar do servidor público pode ser dividido em três etapas, sendo a primeira com o estabelecimento dos marcos legais do Regime de Previdência Complementar e do Regime Próprio de Previdência Social estabelecidos a partir da Emenda Constitucional nº 20/1998, que teve em sua sequência três projetos de Lei Complementar, mas apenas dois tiveram tramitação e produziram alterações na legislação: as Leis Complementares nº 108 e nº 109.

A segunda fase se iniciou com a Emenda Constitucional nº 41/2003, permitindo que União, estados e municípios pudessem regular o tema de previdência complementar por intermédio de Leis Ordinárias de cada ente federativo, retirando a necessidade de Lei Complementar. “Apenas em 2011 houve a Lei que criou a da previdência complementar do Estado de São Paulo, tendo estados aprovando suas leis posteriormente e, em 2012, a Lei que criou a previdência complementar da União”, disse Narlon.

A previdência complementar dos servidores públicos nasceu efetivamente em 2013, sendo que 12 EFPC de natureza pública iniciaram operação, conforme apresentou Narlon, mas apenas 19 entes têm o regime complementar em funcionamento. “Em junho de 2020, o patrimônio registrado por essas entidades foi de R$ 5,85 bilhões, com 406 patrocinadores, 26 planos e 139 mil participantes ativos, sendo esse o segmento com maior expansão dentro da previdência complementar no nosso país”. Além disso, em uma projeção simplificada, há um potencial de longo prazo de cerca de 621 mil servidores para o regime complementar, com um fluxo contributivo de R$ 6,8 bilhões por ano. “É uma tendência que aqueles estados que optarem em ter entidades próprias serão os que terão maior potencial de ofertar a previdência aos seus respectivos municípios”, destacou.

A terceira fase da previdência complementar dos servidores públicos se dá a partir da aprovação da Emenda Constitucional 103/2019, que torna obrigatória a implantação da previdência complementar dos entes federados, com prazo até o final de 2021. “Esse ano de 2020 ficou bastante prejudicado no avanço desses processos de criação de previdência complementar, em especial dos municípios, devido à pandemia, então teremos que correr muito para cumprir esse prazo”, disse Narlon.

Além disso, no parágrafo 15 da Emenda Constitucional foi retirada a obrigatoriedade da natureza pública das entidades fechadas ao administrarem esses planos, sendo assim todas as entidades autorizadas a ofertar planos para servidores públicos, permitindo a atuação das abertas nesse segmento. “Esse é um tema que gerou polêmica, e como forma de superarmos isso ficou em aberto a edição de uma Lei Complementar que traga a disciplina para as entidades abertas poderem administrar os planos de entes públicos”, explicou Narlon.

Harmonização – Outros ajustes em alguns artigos da Emenda Constitucional já fazem essa harmonização, mas ainda há grandes diferenças entre o segmento fechado e o aberto, conforme explicou ​​Márcia Paim Romera, Coordenadora-Geral de Diretrizes de Previdência Complementar da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. Márcia faz parte do GT do IMK que atua na elaboração dessa Lei Complementar para fazer a devida harmonização. Ela destacou que uma das diferenças entre as entidades abertas e fechadas é a forma de constituição, sendo as abertas constituídas sob a forma de sociedade anônima, e as fechadas como fundações, enquanto o segmento aberto possui fins lucrativos e o fechado não.

Além disso, a relação jurídica por meio de contrato nas abertas e convênio de adesão no segmento fechado inicia uma discussão sobre harmonização, além de haver uma diferenciação entre os tipos de produtos oferecidos. “O segmento aberto atua apenas com um tipo de plano, enquanto o fechado tem uma carteira de planos BD, CV e CD”, disse Márcia. O segmento aberto permite também o resgate parcial, total e portabilidade, que é mais um ponto que precisa de ajustes, segundo Márcia. “O segmento aberto tem uma flexibilidade maior, com planos individuais, enquanto o segmento fechado tem uma regra que protege a poupança previdenciária, com resgate apenas com cessação do vínculo empregatício”.

A política de investimentos, por sua vez, não é foco de harmonização, pois é tema do Conselho Monetário Nacional. Já a especialidade do segmento aberto é VGBL, enquanto o fechado possui planos coletivos, patrocinados, com avanço no segmento associativo e planos família. Já o regime tributário é um tema que carece harmonização. Márcia explicou que há ainda uma diferença entre os órgãos regulador e supervisor e na governança, que no segmento fechado está estabelecida pelas Leis Complementares 108 e 109, e no aberto pela Lei 6.404. “Por fim, no seguimento aberto há um financiamento do déficit pelas seguradoras, enquanto no fechado, o risco é financiado pelo patrocinador e participante”, disse Márcia.

O tamanho dos dois sistemas é parecido, pontuou Márcia, com praticamente R$ 1 trilhão em patrimônio para cada segmento, mas ela ressaltou que o segmento aberto possui apenas 24% de seu estoque em planos coletivos, sendo muito focado em planos individuais. “Na carteira de investimentos, também vemos o segmento fechado com uma carteira mais diversificada em renda variável e outros ativos em relação às abertas, que possuem alta concentração renda fixa. Hoje, o segmento fechado paga anualmente R$ 64 bilhões em benefícios, e é uma preocupação do regulador que o segmento aberto também faça essa conversão ampla”, destacou.

Nesse sentido, a harmonização vem com o principal objetivo da simplificação normativa, facilitando o entendimento dos participantes, assistidos e patrocinadores, simplificando arcabouço regulatório e evitando disfunção regulatória. “Gostaríamos que o segmento aberto e o fechado tenham regras muito similares, com previdência complementar coletiva, formando poupança de longo prazo”, destacou Márcia. A harmonização é importante também para o patrocínio público. “Temos que manter essa intenção de proteger o servidor público na formação da sua previdência. Essa harmonização é importantíssima para garantir isso”, pontuou.

Governança – A Lei Complementar elaborada pelo GT visa ainda que as regras de planos sejam praticamente iguais, e para isso será necessária maior coordenação entre o CNPC e CNSP, órgãos reguladores das fechada e das abertas, respectivamente. Márcia ressaltou que o Grupo de Trabalho discute a governança, a forma de contratação das entidades e a regra dos planos e independência patrimonial. “Sabemos que as EFPC têm sua governança bem estabelecida pelas Leis Complementares 108 e 109, e também conhecemos uma estrutura de uma sociedade anônima, então a Lei Complementar não visa alterar a governança das entidades abertas, mas o servidor público poderia ter maior controle sobre esse regime de previdência complementar com melhor acompanhamento feito pelo patrocinador público”, disse.

Assim, a Lei Complementar propõe a criação do Comitê de Assessoramento de Previdência Complementar (CAPC) vinculado ao ente federativo que, ao acompanhar a previdência complementar, poderá conduzir processo seletivo de contratação dos planos, acompanhar resultados, manifestar-se sobre alterações de regulamento, recomendar rescisão do contrato ou transferência de gerenciamento, e fiscalizar o cumprimento do convênio de adesão e do regulamento. “A Lei sugere ainda que os Conselhos Deliberativos dos RPPS possam ser utilizado para fazer esse acompanhamento, facilitando-o para entes menores”, disse Márcia.

Processo seletivo – Para a seleção de entidades, é proposta uma alteração na forma de contratação para as abertas, visando que também utilizem o convênio de adesão. “Além disso, sugerimos um processo seletivo explícito com princípios para que o ente faça essa contratação. A Lei Complementar coloca, então, um rito, por meio de processo seletivo transparente e motivado, para fazer a contratação da entidade, seja aberta ou fechada, e o CAPC seria o órgão para assessorar o patrocinador nessa contratação”, ressaltou Márcia.

Para ela, a Lei Complementar proposta é uma grande oportunidade para um debate mais amplo sobre harmonização. “Há interesse de avançarmos em uma agenda maior, o que requer um trabalho específico e medidas mais estruturantes. Para chegar nessa harmonização completa, teríamos ainda que passar por regras de tributação. Precisaríamos também de regras para um pilar coletivo mais harmonizado, bem como harmonizar as políticas de investimento e dar estímulos a planos e políticas públicas de desenvolvimento”, complementou Márcia. A expectativa é que o trabalho do GT se encerre até o final do ano com a redação final da Lei Complementar.

O 15º ENAPC é uma realização da Abrapp, com o apoio institucional de Sindapp, ICSS, UniAbrapp e Conecta. O ENAPC conta com patrocínio de Bocater; JCM; Linhares; ProJuris; Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira na cota ouro. Atlântida Perícias e MMLC na cota prata. E BTH e Santos Beviláqua na cota bronze.

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